Por Lilian de Pellegrini Elias e Evaldo Gomes Júnior
As últimas décadas, políticas têm sido articuladas com o intuito de fortalecer a oferta de alimentos. Algumas articuladas com a produção saudável e sustentável, bem com o fomento ao desenvolvimento rural e local, outras nem tanto. Numa ordem econômica cada vez mais contratual, os mercados passam a ter institucionalidades que determinam preços e quantidades antes do varejo.
Surgem as compras públicas de alimentos como forma de eliminar volatilidades para os produtores mais vulneráveis e também como forma de atender demandas institucionais. No Brasil elas têm uma longa história, iniciando na década de 1970 com o Programa Nacional de Alimentação e Nutrição, que ganhou forte impulso nos anos 2000 com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e com o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Na literatura, evidências têm se consolidado confirmando que as compras públicas têm conseguido gerar os efeitos esperados. Associa-se a elas tanto o fortalecimento de economias locais, quanto o aumento do dinamismo econômico local e regional, promoção de emprego, renda, segurança alimentar e nutricional, diversificação tanto de culturas quanto da alimentação nas propriedades e valorização da cultura alimentar local.
Dentre os produtores de alimentos que se somaram enquanto fornecedores destas políticas estão agricultores familiares, camponeses, indígenas, quilombolas, assentados e uma multiplicidade de atores ofertando alimentos tanto individualmente quanto coletivamente. Quando organizados, estes se vinculam às compras enquanto associação ou cooperativa. As políticas de compras institucionais fazem prevalecer, também, a produção biodiversa de alimentos, conforme exigência da Lei n. 11.947, de 2009, por mais que tal legislação necessite de maior amplitude da seleção de alimentos.
A organização cooperada se tornou a forma mais destacada de incorporação de ganhos de produtividade com atenção a condições de sustentabilidade ambiental e dignidade social. É a forma possível de manter o conjunto de pequenos produtores em circuitos mais amplos de comercialização frente a concorrentes empresariais. Muitas destas cooperativas são vinculadas a movimentos sociais, a exemplo do Movimento dos Sem-Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), e a cooperativas centrais como a Cooperativa Central de Comercialização da Agricultura Familiar de Economia Solidária (CECAFES). Estes comercializam alimentos em todo território nacional, tendo a participação nas compras públicas como impulso para sua organização e ampliação da oferta. Hoje ofertam alimentos para o estado brasileiro desde a alimentação escolar, passando por hospitais e penitenciárias até as forças armadas incluindo exército, marinha e aeronáutica.
Neste ano, em 2023, o PAA completa 20 anos. As compras públicas de agricultura familiar já foram capazes de demonstrar todo seu potencial tanto para a inclusão de agricultores, quanto para fortalecer suas organizações. É evidente que estes mercados são condições necessárias, mas não suficientes para consolidar um sistema de segurança alimentar permanente e complexo no Brasil, além de possibilitar a inclusão produtiva rural de pequenos produtores e comunidades tradicionais. É necessário reconhecer que o direcionamento do ordenamento territorial, o crédito e o fortalecimento de mercados ligados à produção sociobiodiversa das várias regiões do país são elementos centrais para organizar a produção de alimentos, seja para abastecimento interno seja para exportação.
Sem a participação dessas cooperativas e dos movimentos sociais nas agendas econômicas e políticas do setor, a prioridade passa a ser somente o agronegócio vinculado preferencialmente ao mercado externo. É preciso que os agricultores familiares estejam bem representados em todos os espaços democráticos para que seja possível construir os próximos 20 anos de políticas públicas, inclusive a ampliação dos mercados de compras institucionais.
Sobre os autores
Lilian de Pellegrini Elias é pesquisadora colaboradora da Universidade de Campinas e docente temporária da Universidade Federal de Santa Catarina.
Evaldo Gomes Júnior é economista e docente do Instituto de Estudos em Desenvolvimento Agrário e Regional da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.