15/09/2023 às 12h17min - Atualizada em 15/09/2023 às 12h17min

Hidrelétricas do Madeira trazem poucos benefícios para população local, e muitos impactos ambientais e sociais

Gazeta Rondônia
Francisco Costa

Usina de Santo Antônio, em Porto Velho: muitas promessas, poucos benefícios para região Norte; impactos sociais e ambientais de hidrelétricas no Madeira são ainda sentidos em Rondônia (Foto: Divulgação SAE)
Na manhã do dia 15 de agosto de 2023, uma terça-feira, diversos estados do Brasil foram afetados por um blecaute de grande porte. Após as 8h30 (no fuso de Brasília), relatos de falta de energia começaram a se multiplicar pela internet, isso nos locais onde ainda havia distribuição. O Ministério de Minas e Energia (MME) informou que uma ocorrência na rede de operação do Sistema Interligado Nacional (SIN) interrompeu 16 mil MW de carga em estados do Norte e Nordeste, e prejudicou também o Sudeste. Segundo a pasta, “a interrupção ocorreu devido a abertura, às 8h31, da interligação Norte/Sudeste e as causas da ocorrência ainda estão sendo apuradas”. Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, disse que pediria à Polícia Federal (PF) e à Agência Brasileira de Inteligência (Abin)investigações sobre possíveis sabotagens. A desconfiança era justificada.
 
Desde a confirmação da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a Presidência da República, em outubro de 2022, vários casos de ataques às torres do sistema de distribuição de energia foram registrados no país, incluindo em Rondônia, um dos maiores redutos do bolsonarismo.


O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) identificou uma ocorrência às 8h31 daquele dia, que levou a uma “separação elétrica” no sistema interligado. Na prática, as regiões Norte e Nordeste do país foram desconectadas do Sul e Sudeste. Apenas o estado de Roraima não registrou falta de energia. Trata-se, inclusive, do único estado que não é ligado ao SIN.

De acordo com o MME, houve uma sobrecarga no Ceará, o que agravou a situação no restante do país. O último apagão que afetou a maior parte das regiões do Brasil aconteceu em 2014, quando um curto-circuito em uma linha de transmissão deixou Sul, Sudeste, Norte e Centro-Oeste sem energia. À época, ao menos 11 estados foram impactados.

Varadouro conversou com o professor e pesquisador Artur de Souza Moret, da Universidade Federal de Rondônia (Unir), para entender os reflexos das políticas energéticas adotadas pelo Brasil, e como os moradores de Rondônia pagam tão caro pelo consumo de energia elétrica, já que estado possui grandes empreendimentos hidrelétricos construídos durante os governos Lula I e II.

Além de Rondônia, as hidrelétricas do rio Madeira fornecem energia para todo o estado do Acre, por meio de um linhão cujo traçado fica às margens da BR-364, entre Porto Velho e Rio Branco. À época da construção, prometia-se energia mais barata aos moradores dos dois estados, o que não aconteceu.

Moret pontua impactos socioambientais que afetam populações e comunidades tradicionais, e como o consumo de energia afeta nossas vidas.

 
 
“Na questão dos graves impactos ambientais produzidos no rio Madeira, há pouco a ser feito. Entretanto, há necessidade de implementação de algumas questões, a gestão do fluxo de água e de sedimentos para a solução da agricultura de várzea e da gestão da pesca”, diz Moret, membro do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente da Unir.

Um dos principais impactos ambientais atribuídos às usinas do Madeira foi o transbordamento da BR-364, em 2014, entre as capitais do Acre e Rondônia. Com a grande cheia do rio Madeira e as barragens de Jirau e Santo Antônio, as águas invadiram a única rodovia de acesso ao Acre, deixando o estado completamente isolado. O isolamento comprometeu o acesso a alimentos, combustíveis e gás. Os consórcios negam qualquer interferência das hidrelétricas no evento.

O deslocamento forçado de comunidades ribeirinhas inteiras, colônias de pescadores que estavam às margens do Madeira é outro efeito social das usinas. A mudança alterou por completo o modo de vida tradicional destas populações. Muitas delas foram levadas para vilas às margens da BR-364, outras indenizadas e tantas outras passaram a morar nas periferias de Porto Velho. A capital rondoniense viveu um inchaço populacional sem nenhum tipo de planejamento de infraestrutura urbano.

O professor também fala das novas ameaças que são novas obras de grande porte para Rondônia, que tem tirado o sono dos povos da floresta.

 
"Pensar em novas UHE`s para Rondônia é impor um processo de destruição do rio Madeira, com graves impactos no ecossistema local e, sobretudo, fazendo grande contribuição negativa para as mudanças climáticas”.

E alerta que nosso país atravessa um colapso no setor. “Há sim uma crise de sustentabilidade energética, ou seja, para resolver esta crise é necessário investir em fontes renováveis e locais, eficiência energética e diminuição das perdas em transmissão e distribuição”.

Leia abaixo a entrevista:

Varadouro: Os fenômenos climáticos agravam o consumo e a sobrecarga de energia causando apagões, por exemplo?
 
Moret: -As mudanças climáticas já são uma realidade no Brasil, sobretudo, na Amazônia, porque a mudança do uso da terra tem sido um vetor importante para as alterações no microclima local, que já são visíveis no regime de chuvas, no período de seca, na baixa umidade relativa do ar e enchentes. Desmatamento, queimada, garimpo, monoculturas, pecuária intensiva, instalação de grandes lagos para usinas hidrelétricas, sinteticamente são os processos de alterações no uso da terra no território e que estão intensos na Amazônia, que a emissão de gases de efeito estufa produzem problemas e que resulta em municípios com maior emissão de gases de efeito estufa em nível de Brasil. A alteração climática com temperaturas altas pode impactar no uso de eletricidade, pela intensificação do uso de refrigeradores e ar-condicionado. Como exemplo, as mudanças climáticas podem produzir mais impacto nas enchentes, nas ondas de calor, nas alterações da produtividade na agricultura e, no que diz respeito a hidreletricidade, a falta de água nos reservatórios pode impactar a geração de eletricidade, como foi o caso do apagão do início do século.


V: Como explicar o recente apagão, houve culpados?
 
Moret – O sistema elétrico brasileiro é robusto e comporta três grandes vertentes, geração de eletricidade e com predominância das usinas hidrelétricas, o SIN, que interliga (quase) todo o território nacional, excetuando Roraima. O terceiro ponto é a distribuição aos consumidores finais. As questões mais críticas do sistema elétrico estão baseadas na transmissão, porque são interconexões de longa distância com potências altíssimas, ou seja, além das questões técnicas há as intempéries climáticas que podem produzir danos às linhas de transmissão. Até agora não há nenhuma explicação específica sobre o apagão que aconteceu em agosto. Qualquer apagão ou evento desta natureza, faz lembrar o ocorrido no final do século e início deste. Entretanto, os motivos daquele apagão são da realidade atual, porque o setor elétrico estava em transição, e havia problemas no planejamento, o Estado estava proibido de fazer investimentos, o sistema elétrico tinha dependência excessiva das UHE`s. E, por isso, faltou energia elétrica no Brasil. Para lembrar, duas das soluções para a escassez de energia elétrica naquele momento foram a imposição da economia no consumo (racionamento) e o planejamento de implantação de mais de 60 termelétricas no Brasil. Ou seja, não há ainda como explicar, mas são três pontos prováveis que podem ser indicados como as causas do apagão, questões técnicas, intempéries climáticas e os problemas de ordem política.


V: Quais as recentes pesquisas aplicáveis sobre energias renováveis e sustentáveis que possam substituir os métodos e práticas utilizados, considerados poluentes e danosos?
 
Moret – As energias renováveis estão ocupando espaços cada vez maiores no Brasil, como é o caso da energia solar fotovoltaica e a eólica, principalmente no território nordestino, com resultados de expressiva carga disponibilizada para o setor elétrico brasileiro, mesmo que já apareçam problemas de impactos ambientais e sociais com a implantação destas fontes e, por isso, há a necessidade de aumentar os cuidados com os impactos negativos que estas iniciativas têm provocados no Nordeste. Entretanto, três pontos devem ser apresentados para a substituição das fontes emissoras de gases de efeito estufa: a primeira é o investimento em eficiência energética para diminuição do consumo pela troca de usos finais com mais eficiência, uso de fontes renováveis disponíveis no território e que podem ser incorporadas ao sistema elétrico (resíduos urbanos, biomassa sólida e líquida, micro central hidrelétrica, resíduos de biomassa e etc) e, por fim, o investimento para diminuir as perdas de transmissão (estima-se em 20% de perdas) e de distribuição (estima-se em mais de 20% de perdas).

V: O Brasil corre o risco de um colapso energético?
 
Moret – Não há o risco de colapso, porque a atual situação do setor elétrico não é de vulnerabilidade, tem carga suficiente e, sobretudo, um sistema de transmissão robusto. Há, sim, uma crise de sustentabilidade energética, ou seja, para resolver esta crise é necessário investir em fontes renováveis e locais, eficiência energética e diminuição das perdas em transmissão e distribuição.
 
V: Rondônia possui várias hidrelétricas, mas toda população paga bem caro pelo consumo de energia. O que houve com esses projetos que não concretizam as promessas esperadas de geração de emprego e renda, desenvolvimento social, econômico e ambiental para a nossa região?
 
Moret – A conta de eletricidade é constituída por uma cesta de custos de geração, de transmissão e de distribuição. De produção, entram, negativamente, a geração termelétrica nas localidades isoladas de Rondônia, mas não entra a hidrelétrica de forma positiva porque enviamos a carga produzida e recebemos de volta pelo SIN. Na transmissão tem o custo do SIN entre Araraquara (SP) e Rondônia. É na distribuição que está localizado o maior valor, porque as perdas de distribuição em Rondônia são altas e em duas vertentes pelas perdas técnicas e de desvios (não tem valores especificados, mas o histórico no estado era maior de 30%). Ou seja, quem paga a eletricidade, paga pelo seu consumo e pelas perdas do sistema local.


V: As populações impactadas pelas hidrelétricas ainda reclamam da ausência de políticas públicas e de programas sociais, e que as grandes hidrelétricas faturam muito com o capital ambiental deles. Qual sua avaliação e que fazer para corrigir esse processo traumático?
 
Moret – O processo de remanejamento dos atingidos pelas UHE`s de Santo Antônio e Jirau não foi adequado para a população atingida a montante e a jusante, e os impactos ambientais negativos foram graves e incorporados e internalizados no rio Madeira. No que tange à questão social, há a possibilidade de correção dos rumos dos assentamentos, com apoio às atividades econômicas, tais como pesca, agricultura familiar, agregar valor às atividades e o escoamento da produção. Na questão dos graves impactos ambientais produzidos no rio Madeira, há pouco a ser feito. Entretanto, há a necessidade de implementação de algumas questões, a gestão do fluxo de água e de sedimentos para a solução da agricultura de várzea e da gestão da pesca.

V: No futuro, o governo federal planeja algumas hidrelétricas, inclusive para Rondônia na região da fronteira com a Bolívia. Quais os impactos e riscos desses projetos e quais os meios alternativos para gerar energia? É necessário de fato novas hidrelétricas na Amazônia? Quais modelos de desenvolvimento precisam ser pensados para o estado, onde há previsão dessas obras?

Moret – O setor elétrico tem uma falha crítica de planejamento, porque a maior opção de atuação é baseada no aumento da carga com a construção prioritária de hidrelétricas, deixando de lado a gestão pelo lado da demanda em eficiência energética e a diminuição de perdas. Assim, o que se propõe para Rondônia é a descentralização da geração de eletricidade com uso de fontes alternativas renováveis descentralizadas e forte investimento nas perdas de distribuição. A implementação destes procedimentos se constitui em modelos de desenvolvimento baseados na transição ecológica com substituição de fontes poluentes e gerando desenvolvimento. Pensar em novas UHE`s para Rondônia é impor um processo de destruição do rio Madeira, com graves impactos no ecossistema local e, sobretudo, fazendo grande contribuição negativa para as mudanças climáticas.

V: O que os governos podem fazer para tornar o país referência em energia limpa?

Moret – A transição energética é uma oportunidade para o Brasil, porque mesmo que a UHE produza problemas ambientais e sociais, já é uma fonte menos poluente do que aquelas baseadas nos hidrocarbonetos. Entretanto, temos fontes de energia renováveis distribuída pelo Brasil e que podem ser introduzidas na matriz de forma descentralizada, tais como energia fotovoltaica interligada à rede e com uso de baterias, resíduos urbanos, biomassa sólida e líquida, micro central hidrelétrica, resíduos de biomassa. Destaca-se que o uso de fontes renováveis de energia, de forma descentralizada, é um importante vetor para o desenvolvimento, porque utiliza fontes e mão de obra locais.

Texto: Francisco Costa - Foto: Divulgação SAE.


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