A cortina de fumaça intensa que cobre Porto Velho e outras regiões de Rondônia tem origem em queimadas intensificadas pela seca severa, resultado da combinação de desmatamento, mudanças climáticas e práticas ilegais de uso da terra. A principal fonte desse problema está na destruição de áreas florestais para expansão da agropecuária, monoculturas, grilagem de terras e invasões de unidades de conservação, como a Floresta Nacional de Jacundá com mais de 221 mil hectares, que fica distante apenas 65 km da capital.
As estradas de terra, conhecidas como ramais, facilitam o acesso de posseiros e invasores a áreas protegidas, onde queimadas são usadas para abrir espaço para pastagens do gado e ocupar territórios de forma ilegal. Onde a fiscalização ambiental não chega, os grileiros, invasores queima as matas sem medo de ser responsabilizado. Ao mesmo tempo as instituições fiscalizadoras enfrentam a burocracia da lei para aplicar e receber multas, por exemplo.
Somente até 19 de agosto deste ano foram contabilizados 4.887 focos de incêndio, totalizando mais de 107.216 hectares de florestas destruídas pelo fogo. O fogo alcançou terras indígenas e unidades de conservação como é o caso das Resex Jaci Paraná e terras indígenas Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau e Igarapé Lage. O parque ambiental de Guajará-Mirim pega fogo há mais de trinta dias. Falta investimentos e recursos humanos para conter a destruição.
As unidades de conservação do estado estão tomadas por grileiros e posseiros ao arrepio das leis e dos órgãos fiscalizadores. Um dos principais arcos de desmatamento é a região entre Rondônia, Acre e sul do Amazonas, conhecida como Amacro.
Negacionismo ambiental
E Rondônia foi um dos únicos estados da federação que não assinou a carta do Consórcio dos Governadores da Amazônia Legal com compromissos pelo desenvolvimento sustentável e preservação ambiental do bioma, durante a conferência do clima da ONU, a COP27, realizada no Egito, na cidade de Sharm el-Sheikh, entre os dias 6 e 20 de novembro de 2022.
O fator político de incentivo aos crimes ambientais ganha força com o discurso da extrema-direita que possui apoio do rondonienses. Na eleição presidencial de 2022, Jair Bolsonaro obteve 70,66% dos votos no segundo turno. Dos 24 deputados eleitos para a Assembleia Legislativa de Rondônia, 96% pertencem a partidos de direita. A bancada federal do estado no Congresso Nacional também segue essa tendência conservadora.
No Senado, dois dos três senadores são filiados ao Partido Liberal (PL), enquanto o outro representa o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Na Câmara dos Deputados, o União Brasil domina, com quatro das oito cadeiras, e as restantes são divididas igualmente entre o PL e o MDB, com dois parlamentares cada. Além disso, em 29 dos 52 municípios, as prefeituras estão sob o comando do União Brasil. Esses dados mostram a forte presença desses partidos no cenário político de Rondônia.
Entre os habitantes de Porto Velho e arredores, predomina um sentimento de indiferença em relação à crise climática que afeta a região. Muitos não enxergam a conexão entre a degradação ambiental causada pela ocupação irregular e predatória da floresta e os problemas enfrentados. Tanto autoridades locais quanto parte da população costumam atribuir a origem da fumaça às queimadas que ocorrem no sul do Amazonas e no Pará, minimizando a responsabilidade do próprio estado.
Consequências coletivas
As queimadas, provocadas com frequência por criminosos, crescem em intensidade e abrangência desde julho de 2024, alcançando níveis críticos em agosto. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou mais de 5.000 focos de calor em Rondônia até agosto, parte de um cenário alarmante que afeta toda a Amazônia Legal. O Pará lidera com quase 17 mil focos, seguido pelo Amazonas com 11,4 mil e Mato Grosso com 8.700. Além do estado de Rondônia, a fumaça também vem do sul do Amazonas, Pará, Mato Grosso e até da Bolívia, o que agrava ainda mais a poluição do ar.
Situação também agravada por fatores climáticos, como o fenômeno El Niño, que aumenta a temperatura do Oceano Pacífico e reduz as chuvas, e pelo desmatamento desenfreado, que altera o ciclo das chuvas e afeta todo o ecossistema amazônico. Com rios como o Madeira atingindo níveis historicamente baixos, as queimadas encontram condições ideais para se espalharem, já que a vegetação seca serve como combustível para o fogo.
Além dos impactos ecológicos, as consequências para a saúde são graves. A poluição do ar em Porto Velho chegou a níveis perigosos, colocando a cidade entre os piores lugares do mundo para respirar. Crianças, idosos e pessoas com doenças respiratórias estão entre os mais vulneráveis, sofrendo com o aumento de problemas de saúde causados pela inalação de fumaça. A situação se reflete na rotina dos moradores, com voos sendo cancelados, eventos públicos como o desfile de 7 de setembro suspensos e um aumento geral no número de pessoas hospitalizadas por complicações respiratórias.
A responsabilidade por essa crise não recai apenas sobre os criminosos que iniciam as queimadas. A conivência das autoridades e a falta de políticas públicas de proteção eficazes tornam a situação ainda mais crítica, com unidades de conservação invadidas e destruídas impunemente.
A solução para esse cenário exige uma mudança drástica nas políticas de controle e fiscalização. A Amazônia, uma das maiores riquezas naturais do planeta, está sendo transformada em cinzas por práticas predatórias que ignoram os impactos a longo prazo. As queimadas, além de destruir a floresta e afetar o clima global, têm consequências diretas na vida das populações urbanas, como as de Porto Velho, que enfrentam uma crise de saúde pública e ambiental.