22/05/2021 às 06h52min - Atualizada em 22/05/2021 às 06h52min

Pequenos produtores intensificam produção e dão partida para aumentar em 10 vezes a renda da agricultura em Cerejeiras

Gazeta Rondônia
Rildo Costa

O produtor Luiz Carlos Cavassani produz soja e milho em 40 hectares, mas decidiu intensificar a produção. (Foto: Rildo Costa)
Ao contrário do que possa parecer, o município de Cerejeiras não é apenas um local de grandes produtores rurais de soja e milho. Apesar de ter, sim, algumas propriedades de tamanhos consideráveis, há uma infinidade de pequenos pedaços de terra, com variados tipos de cultura, que fomentam a economia cerejeirense.

O município possui 416 propriedades rurais dedicadas a soja e milho. Dessas, pelo menos 400 propriedades podem ser consideradas médias ou grandes para os padrões locais, ou seja, são terras acima de 100 hectares.


Mas os números mais impressionantes vêm agora. Segundo dados de 2020 da Emater, o município de Cerejeiras tem 1.121 pequenas propriedades rurais – e aqui entram aquelas que não estão destinadas ao cultivo de soja e milho. Além destas terras na área rural, calcula-se que haja exatas 328 chácaras em torno da cidade, de duas hectares cada uma.

Segundo todos estes dados, existem um número maior de pequenas propriedades do que de grandes no município.

Mas talvez alguém possa pensar que as grandes propriedades ocupam uma proporção maior do município. A resposta é não. Pelo menos 60 por cento de toda á área territorial cerejeirense, ou até mais, podem estar ocupados com sítios e chácaras. Pelo menos esta é a estimativa de vários profissionais de assistência técnica que atuam em Cerejeiras.

As boas notícias não acabam aí. O pulo do gato vem agora: as pequenas propriedades têm condições de gerar muito mais renda do que as grandes, comparando o volume total proporcional de uma área pequena com outra grande.

O agrônomo Hugo Dan, do Centro de Pesquisa Agropecuária (CPA), que tem um pós-doutorado em Agronomia e atua no município, faz as contas. “Vamos pensar numa grande propriedade de soja e milho. Com a tecnologia atual, ela produz uma renda média de R$ 5.000,00 por hectare ao ano. Agora vamos pensar numa terra pequena. Em cinco hectares, um produtor pode ter 10 vacas de leite, produzindo 100 litros por dia e gera uma renda de quase R$ 1.000,00 ao mês por hectare”, explica o agrônomo.

Por que isso acontece? Isso acontece porque, via de regra, quanto maior for um negócio, menor será o percentual de retorno sobre o valor total do capital investigo – embora o volume total de renda gerada seja de fato maior. Ou seja, os pequenos negócios têm margem maior. E isso é válido também para as propriedades rurais. Não há uma relação direta entre rentabilidade e tamanho. A razão disso é simples: não é o capital que gera riqueza, é o trabalho aplicado ao capital e numa pequena propriedade o volume de trabalho é proporcionalmente maior.

Levando todas essas variáveis em conta, o município de Cerejeiras é, em termos gerais, uma usina propulsora de renda. “Toda a área do município de Cerejeiras é produtiva. Aqui temos condições de produzir todos os tipos de alimentos que consumidos”, disse o diretor da Emater em Cerejeiras, Sandro Malta Xavier, que conhece a área rural cerejeirense como a palma da mão.

Acontece, no entanto, que a imensa maioria das pequenas propriedades rurais não está produzindo conforme toda a sua potencialidade.

“A saída para o pequeno produtor é a intensificação do processo produtivo”, explica o agrônomo Hugo Dan. Ou seja, aplicar mais processos, metodologia e tecnologia na propriedade.

Vamos dar um exemplo. Uma vaca, por exemplo, produz uma média de um bezerro (macho ou fêmea) por ano e, quando for descartada, produz uma carcaça de carne e couro a cada sete anos. Esse animal tem dupla aptidão, por assim dizer, pois produz bezerro todos os anos e a carne dela mesma num único ano, quando ela precisar ser retirada do sistema produtivo.

Mas agora vamos supor que seja uma vaca leiteira. Além do bezerro todos os anos e a própria carne dela mesma no dia do descarte, ela produzirá um balde de leite diariamente. Ou seja, ela terá agora uma tripla aptidão.

Agora vamos continuar o raciocínio e imaginar que esta vaca leiteira seja melhor alimentada. E que seja ordenhada não uma, mas duas vezes ao dia. Vamos supor ainda que o leite tirado desta vaca vá para um resfriador. Do resfriador, o próprio produtor produza queijo, por exemplo. Assim, ao invés de vender o leite com valor menor, ele venderá um produto acabado, o queijo, com valor agregado. Apenas para finalizar, vamos supor que este queijo tenha sido produzido com processos produtivos e com condimentos especiais. Será, agora, um queijo sofisticado.

O exercício de raciocínio acima serviu apenas para demostrar uma única verdade: o aumento da renda não demandou o aumento da área. Neste sentido, então, uma pequena propriedade se torna mais lucrativa que uma pequena, se comparar as proporções.

“Se todos os pequenos produtores investissem na intensificação do processo produtivo, a renda total gerada pelas pequenas propriedades seria muito maior que a gerada pelas grandes áreas no município de Cerejeiras”, explica o agrônomo Hugo Dan.

Também nesta direção, o diretor da Emater em Cerejeiras, acredita que é possível que a renda total do município cresça exponencialmente.  "É possível, sim, aumentar em 10 vezes a renda total da agricultura no município através da intensificação produtiva das pequenas propriedades. Mas aí teríamos que organizar esta produção, para evitar excesso de produtos no mercado local. Seria necessário inserir esta produção no mercado global", diz Sandro Malta.

Esta é a receita para que o município de Cerejeiras se torne ainda mais próspero. A receita é que cada centímetro de seu território seja altamente produtivo – e não importa o tamanho de cada uma dessas unidades produtivas.
Mas, se tudo isso é possível, por que isso não acontece? Por que a imensa maioria dos pequenos produtores rurais não aplica um sistema produtivo intenso em suas propriedades?

Neste momento, vamos caminhar sobre terreno espinhoso nesta reportagem.

A resposta a estas perguntas não é fácil e, se não for respondida com palavras adequadas, facilmente pode ser mal interpretada. Feita essa ressalva, a melhor resposta para essas perguntas é mais ou menos esta: para ocorrer uma mudança no sistema produtivo, é preciso que seja procedente de uma mudança mental.

O ser humano não é apenas uma espécie que produz no sistema automático. Não é uma máquina, que produz através de uma programação prévia, sem propósito pré-estabelecido. Nem um animal, que produz conforme sua programação genética, sem esforço consciente. O ser humano é composto de um complexo mental, emocional e filosófico. Em suma, o ser humano consume e produz em consonância com um sistema de pensamento que adota – ou melhor, que herda.

O conjunto dessa filosofia resulta na cultura, palavra que vem da mesma raiz de “cultivo”. Ou seja, cultura é o conjunto de valores, práticas, hábitos e comportamentos que um ser humano cultiva no espaço em que vive.

Para que haja a implantação de um sistema produtivo mais eficiente, este sistema deve ser precedido por uma mutação cultural. Esta é a verdade que é precisa ser dita. Este é o terreno espinhoso que acabamos de pisar.

Mas como mudar a cultura?

A história tem mostrado que só existe uma forma: um ser humano adota modo diferente de viver e de fazer as coisas quando encontra uma alternativa que lhe pareça melhor. Em outras palavras, muda-se a cultura tendo contato com uma cultura melhor, por assim dizer. E este contato pode ser feito através de uma viagem, da leitura de um livro ou até mesmo assistindo a um vídeo no YouTube. O importante é o contato, não o formato.

Para mudar a cultura dos pequenos produtores, portanto, é preciso encontrar uma forma que os levem a ter contato com uma cultura produtiva mais eficiente.

Aqui vai uma constatação que parece simples, mas pode ser revolucionária. Para implantar um sistema produtivo eficiente, não é preciso ser, digamos, um gênio. Qualquer ser humano mediano consegue. Não há nada intelectualmente complicado, por exemplo, em optar por uma vaca que produza 15 litros de leite por dia do que optar por uma que produz cinco. As mais eficientes propriedades espalhadas por este país são geridas por homens e mulheres simples, muitos deles sem escolaridade formal – são apenas homens e mulheres comuns que buscam constantemente o aprimoramento na sua atividade.

No município de Cerejeiras já existem alguns exemplos positivos. E esses exemplos apontam para uma esperança. Alguns pequenos produtores estão se destacando na verticalização da produção.

O produtor Luiz Carlos Cavassani, da Linha 5, cultiva, junto com o pai e o irmão, uma área de 40 hectares em Cerejeiras. Ele planta soja e milho, mas aproveita a produção de grão para produzir carneiros, suínos, galinhas e ovos. "O pequeno produtor tem que inovar e produzir mais", diz o produtor.


 

Da mesma forma, o produtor Marcos José Firme, da Linha 2, do 4º para o 5º Eixos, é outro exemplo. Numa pequena área de terra de 19 hectares, Marquinhos, como é conhecido, produz tanta coisa que até ele se esquece de enumerar. Dentre as culturas estão: abacaxi, mamão, leite, inhame, abóbora, batata-doce e carneiro.

Após a morte do pai, há dois anos, Marquinhos ficou com um pedaço da terra de herança e viu que precisava se reinventar numa área pequena. “Se eu fosse plantar soja e milho e fosse viver só disso, eu teria bem menos renda”, disse o produtor.

Com o início da intensificação produtiva que decidiu implantar, Marquinhos também teve de adquirir novos conhecimentos.  Um deles foi o de vender seu produto. “Aprendi a negociar com comerciantes”, disse o pequeno produtor. Assim como uma moderna empresa urbana, Marquinhos tem uma lista de clientes que adquirem os carneiros diretamente dele, sem atravessadores. Para os demais produtos, há outras listas de fregueses.

A lotação animal do carneiro é de até oito cabeças por hectare, se não recorrer ao confinamento. A média de animal pelo mesmo espaço de terra é maior que o gado, por exemplo, que é de só duas cabeças por hectare, pois o carneiro come menos.

Embora o carneiro seja mais barato que o boi, a produção do animal tem um giro mais rápido, pois é comum que cada animal tenha duas crias por ano (o gado é uma) e também é costumeiro que uma fêmea tenha dois filhotes por cria (o gado é um). A ovelha enxerta com seis ou sete meses, contra 18 meses da novilha.

Um carneiro no ponto de abate é vendido por R$ 400,00 a R$ 500,00. Por hectare, então, é possível ter uma renda de até R$ 4.000,00 ao ano. Já o gado de corte pode gerar uma renda inferior, de R$ 2.500,00 por hectare ano.

Além disso, ao contrário da carne de boi, a de carneiro não em tanta vacilação de preço e tem aceitação quase universal, inclusive com mais aceitação dietética, cultural e filosófica. Ou seja, a ovinocultura é um negócio que dá resultado e que está ao alcance do pequeno produtor.



 
O terceiro produtor que pode ser citado como exemplo de intensificação do sistema produtivo mora na Linha B, do 3º para o 4º Eixos. Rude Brandt e os filhos Vanderlei e Ederson Brandt cultivam, em sua pequena propriedade, culturas como abacaxi, banana, cupuaçu, urucum, dentre outras.

A propriedade, de 77 hectares ao todo, mas a maior parte está arrendada para outro produtor de soja e milho. O pouco espaço restante, de 9,5 hectares, está ocupado com variados tipos de culturas. A estrela da propriedade, porém, é o abacaxi pérola.

Cultivado no sistema orgânico, o abacaxi plantado na propriedade é sem indução de fertilidade ou uso de defensivos. Essa foi a escolha dos proprietários. “Decidimos pelo método mais demorado, que é adotar o processo da natureza, porque queremos entregar um produto de qualidade superior ao consumidor”, disse o jovem produtor Ederson Brandt. Apesar de parecer não compensar no curto prazo, o produto se tornou uma referência nos mercados na região de Cerejeiras, compensando o esforço da produção mais natural.

A planta demora 18 meses para dar o fruto depois de plantada. O plantio é feito com mudas e só produz um abacaxi por pé. Depois que dá uma fruta, a planta é arrancada e dá lugar a uma nova cultura, geralmente de outra espécie de cultivo, pois o abacaxi suga muito nutriente da terra e não é aconselhável o replantio logo em seguida na mesma área.

O abacaxi é uma cultura de alto valor agregado, sendo uma opção para os pequenos produtores. A produção é de 25.000 frutos por hectare. A um preço médio de R$ 2,50 por fruto, o abacaxi gera uma renda de R$ 62.500,00 por hectare por safra. O resultado é muito superior à soja, por exemplo, que dá uma renda por safra de R$ 5.000,00 por hectare ao ano.

De acordo com o diretor da Emater em Cerejeiras, o cultivo do abacaxi no município tem ganhado mais adeptos. Pelos seus cálculos, são 48 hectares de abacaxi cultivados em Cerejeiras nesta safra. Parece pouco, mas essa produção garante uma renda por anual para o município de R$ 2,5 milhões. “Você imagina a diferença que esta renda faz no comércio da cidade!”, diz Sandro Malta.

Além destes produtores citados, muitos outros no município têm intensificado a sua produção. Alguns têm produzido outras culturas, como melão, melancia, tomate, jiló, café, dentre outras. Ainda outros têm optado por adicionar mais um grau de agregação de valor e optado pelas agroindústrias, como fabricar farinha a partir da mandioca e iogurte a partir do leite.

Estes exemplos são poucos, mas valiosos e carregados de significativa esperança.

Caso os demais pequenos produtores rurais de Cerejeiras decidam investir na intensificação do sistema produtivo, a renda agrícola do município há de decuplicar, ou seja, de 10 vezes mais. O resultado de tudo isso será mais ou menos o que se desenha: um comércio mais forte na cidade, cooperativas de pequenos produtores começarão a surgir no horizonte, uma cidade mais próspera, serviços públicos com mais recursos para servir a população, mais emprego, mais renda, mais bem estar social, mais qualidade de vida.

Esta é a Cerejeiras que sonhamos. E parte desta possibilidade está nas mãos de cada pequeno produtor que já mora e já trabalha neste promissor município.
 



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