PLANO COLLOR: O confisco da poupança e o trauma econômico que marcou o Brasil completa 35 anos

Durante a campanha presidencial de 1989, Collor chegou a acusar Lula de planejar confiscar a poupança dos brasileiros, mas o plano era dele

Gazeta Rondônia
15/03/2025 00h11 - Atualizado há 14 horas

Em 16 de março de 1990, o Brasil acordou com uma notícia que abalaria a vida de milhões de cidadãos e deixaria cicatrizes profundas na memória coletiva do país. Um dia após sua posse como o primeiro presidente eleito diretamente após quase três décadas de regime militar, Fernando Collor de Mello anunciou o Plano Brasil Novo, popularmente conhecido como Plano Collor.

Entre suas medidas mais drásticas estava o confisco de cerca de 80% dos valores depositados em cadernetas de poupança, contas correntes e aplicações financeiras, como o overnight, que excedessem 50 mil cruzados novos (equivalente a cerca de 6 mil a 8 mil reais em valores atuais, ajustados). A justificativa? Combater uma hiperinflação galopante que, naquele momento, atingia 84% ao mês. O que se seguiu, porém, foi uma onda de perplexidade, desespero e revolta, cujos reflexos ecoam até hoje.

Contexto histórico: A crise da hiperinflação

Na década de 1980, o Brasil atravessava um período de turbulência econômica conhecido como a "Década Perdida". A inflação, que já era um problema crônico desde o regime militar, saiu completamente do controle no governo de José Sarney (1985-1990), o primeiro presidente civil após a redemocratização.

Entre 1986 e 1989, três planos econômicos — Cruzado, Bresser e Verão — tentaram, sem sucesso, estabilizar os preços. Em 1989, a inflação anual atingiu 1.972%, corroendo o poder de compra da população e empurrando milhões para a pobreza.

Foi nesse cenário caótico que Fernando Collor, então governador de Alagoas, emergiu como uma figura de esperança na eleição presidencial de 1989. Com um discurso jovem, moderno e anticorrupção, ele derrotou Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno, prometendo uma "bala de prata" contra a inflação.

Durante a campanha, Collor chegou a acusar Lula de planejar confiscar a poupança dos brasileiros, ironizando que ele próprio jamais tomaria tal medida. A promessa de proteger as economias dos cidadãos, no entanto, seria quebrada logo em seu segundo dia de mandato.

O anúncio do Plano Collor: O choque de 16 de março de 1990

Na manhã de 16 de março de 1990, após um feriado bancário de três dias decretado na véspera da posse, a ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, anunciou o Plano Collor em uma coletiva de imprensa confusa e tensa no Ministério da Fazenda, em Brasília. Diante de dezenas de jornalistas perplexos, ela detalhou as medidas que visavam "enxugar" a liquidez da economia para frear a hiperinflação. A mais impactante delas foi o bloqueio, por 18 meses, de todos os valores acima de 50 mil cruzados novos em contas bancárias e cadernetas de poupança. Esses recursos, segundo o governo, seriam devolvidos com correção monetária (inflação mais 6% ao ano) após o período estipulado.

Além do confisco, o plano incluía outras ações radicais: a substituição do cruzado novo pelo cruzeiro (sem corte de zeros), o congelamento de preços e salários, a extinção de órgãos públicos, a redução de ministérios (de 23 para 12), a abertura econômica com redução de barreiras às importações e o início de um programa de privatizações. Estima-se que o governo tenha retido cerca de 100 bilhões de dólares, equivalentes a 30% do Produto Interno Bruto (PIB) daquele ano.

A reação imediata foi de choque. Após o fim do feriado bancário, em 19 de março, longas filas se formaram em agências bancárias por todo o país. Muitos brasileiros tentaram sacar o que podiam dentro do limite permitido, mas os bancos, despreparados, enfrentaram uma crise de liquidez. O comércio paralisou, e a confiança no sistema financeiro desmoronou.

Cronologia do Plano Collor e seus desdobramentos

  • 15 de março de 1990: Fernando Collor toma posse como presidente, iniciando um feriado bancário de três dias (14 a 16 de março).
  • 16 de março de 1990: Anúncio do Plano Collor. O confisco das poupanças é decretado por medida provisória, afetando cerca de 80% dos depósitos financeiros do país.
  • Março a maio de 1990: A inflação cai de 84% para 3% ao mês, gerando uma euforia inicial. Pesquisas do Datafolha indicam que 81% dos brasileiros aprovam o plano em seus primeiros dias.
  • Junho de 1990: A inflação sobe para 9%, sinalizando o fracasso do plano em conter os preços a longo prazo.
  • Final de 1990: A economia entra em recessão, com queda de 4,3% no PIB — a maior contração desde o pós-guerra. A inflação volta aos dois dígitos (12% em julho).
  • 31 de janeiro de 1991: Zélia Cardoso anuncia o Plano Collor II, com novos congelamentos de preços e substituição de taxas overnight por outros instrumentos fiscais. O plano também fracassa.
  • Maio de 1991: Zélia deixa o Ministério da Fazenda, substituída por Marcílio Marques Moreira, que lança o Plano Marcílio, focado em altas taxas de juros e rigor fiscal, mas sem sucesso significativo.
  • Agosto de 1991: Início da devolução dos valores confiscados, conforme prometido, mas muitos poupadores enfrentam dificuldades para reaver o dinheiro.
  • 29 de setembro de 1992: Collor sofre impeachment por denúncias de corrupção, deixando o governo com uma inflação acumulada de mais de 1.000% ao ano.
  • 1993-1994: A inflação atinge 2.477% em 1993. Somente com o Plano Real, implementado em 1994 sob Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, a economia brasileira se estabiliza.

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Reflexos econômicos e Sociais: um trauma geracional

O confisco da poupança teve impactos devastadores na vida dos brasileiros. Milhares de famílias que guardavam economias para comprar a casa própria, pagar estudos ou garantir a aposentadoria viram seus planos ruírem da noite para o dia. Pequenos empresários, sem acesso ao capital retido, enfrentaram falências em massa. Casos extremos de desespero levaram a suicídios, infartos e crises psicológicas, como relatado em jornais da época.

A recessão de 1990, com queda de 4,3% no PIB, foi acompanhada por uma inflação que, longe de ser controlada, atingiu 1.620% no acumulado do ano. A medida, que pretendia ser uma "bala de prata", revelou-se um tiro no pé. O plano não só falhou em estabilizar a economia como gerou um efeito rebote, com a inflação voltando a patamares ainda mais altos nos anos seguintes.

Socialmente, o confisco deixou um legado de desconfiança no sistema financeiro e no governo. Até hoje, muitos brasileiros hesitam em investir em cadernetas de poupança ou outras aplicações, temendo uma repetição do trauma. A frase "o governo confiscou meu dinheiro" tornou-se um símbolo de indignação e um alerta transmitido entre gerações.

Judicialmente, o confisco gerou uma avalanche de ações. Milhões de brasileiros recorreram à Justiça para reaver seus recursos, mas o processo de devolução foi lento e caótico. Em 2017, um acordo mediado pela Advocacia-Geral da União com bancos prometeu indenizar os poupadores, mas, até 2019, 79% deles ainda não haviam recebido os valores devidos. Estima-se que cerca de 550 mil ações relacionadas aos planos econômicos dos anos 1980 e 1990, incluindo o Plano Collor, ainda tramitem nos tribunais.

Repercussão e o pedido de desculpas de Collor

O Plano Collor foi amplamente criticado por economistas e pela sociedade. Gustavo Franco, um dos arquitetos do Plano Real, classificou o confisco como "um absurdo jurídico e econômico". Para o historiador Vinicius Vivaldi, foi um "período nefasto e mal planejado" na história do país. Até mesmo Marcílio Marques Moreira, sucessor de Zélia na Fazenda, admitiu que algumas medidas foram "exageradas".

Em maio de 2020, Fernando Collor, então senador por Alagoas, quebrou o silêncio sobre o episódio. Em uma série de postagens no Twitter (atual X), ele pediu desculpas pelo confisco, reconhecendo o erro: "Acreditei que aquelas medidas radicais eram o caminho certo. Infelizmente errei. Gostaria de pedir perdão a todas aquelas pessoas que foram prejudicadas." Collor justificou que a decisão, embora "dificílima", visava conter uma hiperinflação que chegava a 80% ao mês e que, na época, ele e sua equipe não viam alternativa viável.

Lições e legado

O confisco da poupança no Plano Collor permanece como um dos capítulos mais controversos da história econômica brasileira. Ele expôs os riscos de medidas econômicas radicais tomadas sem planejamento adequado e sem diálogo com a sociedade. O fracasso do plano pavimentou o caminho para o impeachment de Collor em 1992, encerrando um governo que começou com promessas de renovação e terminou em crise política e econômica.

A estabilização da economia só viria em 1994, com o Plano Real, que apostou em transparência e gradualismo para derrotar a hiperinflação. O contraste entre os dois planos é gritante: enquanto o Collor optou por um choque autoritário, o Real foi construído com ampla participação social e política.

Hoje, 35 anos após o confisco, o episódio segue vivo na memória nacional como um alerta sobre os limites do poder estatal e a importância de proteger os direitos dos cidadãos.

Para muitos, o Plano Collor não foi apenas uma política econômica fracassada — foi uma traição que mudou vidas e moldou a relação dos brasileiros com o dinheiro e o governo para sempre.

Fonte: Painel Político.

 

 


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