O rio Madeira em Porto Velho (RO), maior afluente do Amazonas, se aproxima da cota de inundação que é 17 metros. E se continuar chovendo, uma tragédia ambiental pode causar prejuízos incalculáveis para os moradores das comunidades ribeirinhas. Na sexta-feira (11) o rio marcou 16,75 metros.
No distrito de Calama, distante 266 quilômetros de Porto Velho, onde moram mais de três mil famílias, a ajuda humanitária ainda não chegou para todos. O mesmo acontece nas comunidades vizinhas, São Carlos e Rio Preto. Roças de mandioca, macaxeira e demais culturas da agricultura familiar, principal fonte de renda das comunidades, foram devastadas pelas águas.
Lideranças comunitárias, barqueiros e moradores falaram com a reportagem do Voz da Terra e relataram atrasos, desinformação e falta de apoio dos governos. A situação se agravou após março, quando a cheia começou a destruir plantações e isolar comunidades. Em Calama, pelo menos quatro bairros foram diretamente afetados: São Francisco, Sapezal, Castanhola e Tancredo Neves. As famílias estão abrigadas em igrejas e em casas de vizinhos que ofereceram ajuda.
“Mesmo quem mora em áreas mais altas perdeu a produção. Já é da cultura ribeirinha plantar às margens do rio. Falta incentivo do governo para preparar a terra em locais mais seguros”, afirma Marivani Reis, que é coordenadora do Movimento Articulado de Mulheres Ribeirinhas.
De acordo com as lideranças em Rio Preto, quatro famílias foram atingidas diretamente, mas ao menos outras 15 perderam suas lavouras. “Eles ainda estão no (terreno) seco, mas sem produção nenhuma.”
A Secretaria Municipal de Educação (Semed), decidiu suspender as atividades escolares em dezenas de unidades de ensino do baixo Madeira e não informou quantos estudantes foram prejudicados.
Prejuízos incontáveis
As comunidades do Baixo Madeira ganharam destaque nos últimos anos com a produção de banana. Com as ações de fiscalização do governo federal contra o garimpo, famílias que dependiam da mineração do ouro passaram a investir na agricultura. “Saiam daqui cerca de três mil caixas por semana (antes da cheia). Perdemos tudo. A produção de banana, macaxeira, milho, melancia, tudo foi perdido. O Baixo Madeira vai levar no mínimo um ano para se recuperar ", lamenta Reis.
A distribuição de cestas básicas, água potável e outros insumos, ainda não chegou em Calama. Segundo os ribeirinhos, a prefeitura de Porto Velho iniciou as ações em São Carlos, mas não conseguiu dar sequência. “A administração passada (prefeito Hildon Chaves) não deixou recurso. E como não foi decretado estado de calamidade, eles não podem usar outro orçamento. Estão amarrados”, argumenta a coordenadora.
“O governo do estado não moveu uma palha. Tem muita gente desabrigada, sem água potável. A prefeitura sozinha não vai dar conta”, aponta Marivani Reis.
“A gente queria pressionar o governo do estado porque até agora não fez ação nas comunidades em calamidade. Já está nos jornais, mas se nada for feito, vamos ficar mais 30 dias sem receber as cestas”, diz Luciomar Monteiro, também liderança de Calama.
A embarcação "Deus é Amor 2" foi contratada para transportar donativos. Porém, o proprietário afirma que houve quebra de acordo da prefeitura. “Fiz a primeira viagem por conta do diesel. Combinei com o Coronel Marcelo (Duarte - Defesa Civil municipal) que a próxima já teria contrato assinado. Mas quando voltei, não tinha contrato nenhum. Tiraram os mantimentos do barco e ainda soltaram matéria mentirosa.”
O barqueiro afirma ter sido induzido a assinar um documento sem ler. “Disseram que era só para pegar o combustível. Depois vi que estavam querendo usar o barco sem contrato, com um termo de exceção. Eles saem como vítimas, mas quem saiu no prejuízo fui eu.”
Os relatos também atingem a Defesa Civil. “Mandei mensagem para o Coronel Marcelo e até agora nada. A gente acionou a imprensa porque não recebeu nenhuma resposta do governo. Nenhuma liderança foi chamada, nenhuma ação chegou”, comenta Marivani.
A versão oficial é questionada por quem vive a realidade nas comunidades. “Disseram a um jornalista que o estado está repassando recursos por meio da SEAS (Secretaria de Assistência Social), mas não mostraram documento nenhum. Queremos saber qual é o papel real do governo estadual.”
As lideranças agora estão se mobilizando por conta própria. “A gente está tentando organizar os dados sobre famílias atingidas, mas sozinho é difícil. Precisamos que a imprensa mostre o que está acontecendo.”
Segundo os ribeirinhos, se continuar chovendo as plantações de milho melancia, também serão devastadas.
Versão da prefeitura
A Defesa Civil municipal informou que foi montada uma sala de situação para prestar socorro e realizar operações de ajuda para os desabrigados e desalojados pela cheia do rio Madeira.
“Já foram entregues 722 cestas básicas, 5.376 litros de água mineral, 678 caixas de hipoclorito, além de 722 kits de higiene. A embarcação Deus é Amor segue com a operação de socorro às comunidades atingidas e, apenas em 24 horas, as equipes coordenadas pelo planejamento estratégico da Sala de Situação, conseguiram atender seis comunidades: São Carlos, Boca do Jamari, Brasileira, Bom Será, Bom Serazinho, Cavalcante, Terra Caída e Bonfim”, diz em nota pública.
Quem quiser ajudar, as doações podem ser entregues diretamente na Defesa Civil Municipal, localizada na avenida Rafael Vaz e Silva, 1402, bairro Nossa Senhora das Graças, ou através do telefone (69) 8473-2112.
O que diz o Governo de Rondônia
A Secretaria de Estado da Mulher, da Família, da Assistência e do Desenvolvimento Social (Seas), realizou, no início deste mês, a entrega de mais 440 cestas básicas para famílias residentes nas comunidades do Médio Madeira. A iniciativa atende à solicitação da Prefeitura de Porto Velho, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social e da Família (Semasf).
As comunidades beneficiadas nesta etapa são: Ramal Maravilha I e II, Ramal Niterói, Ramal São Sebastião, Ramal Belmont, Vala do Jacu, Ramal do Jacu, Calderita, Agrovila Rio Verde, Itacoã e Ilha dos Veados. Cada família vai receber uma cesta básica contendo 27 itens, com produtos essenciais como: arroz, feijão, farinha, açúcar, macarrão, leite, biscoito, óleo, sardinha, charque, sal e extrato de tomate.
“Com essa segunda etapa, chegamos a um total de 1.040 cestas básicas entregues, somadas a 10.200 unidades de água potável de dois litros”, disse Railane Marinho, assessora técnica da Gerência de Proteção Social Especial do governo.
A primeira etapa de entregas aconteceu no Baixo Madeira, com a disponibilização de 600 cestas básicas, atendendo as comunidades dos distritos de Nazaré, Tira Fogo, Boa Vitória, Santa Catarina, Conceição da Galera, Pombal, São José, Papagaios, Firmeza, Ilha Nova, Ilha de Assunção, Distrito de Calama, Ressaca, Mutum e São Miguel.
Mais chuva
O boletim do Serviço Geológico do Brasil (SGB) mostra que os níveis dos rios da Bacia do Madeira subiram na última semana. A situação mais preocupante é em Morada Nova (Porto Velho), onde o nível ultrapassou a média histórica para o período, indicando risco de alagamentos. Mas existe previsão de mais chuva, inclusive nos rios bolivianos, cabeceiras do Madeira.
Nos demais pontos, como Porto Velho, Guajará-Mirim e Jirau, os níveis continuam subindo, mas ainda estão dentro da faixa de normalidade. A única exceção é Ji-Paraná, onde o nível do rio caiu.
As chuvas da última semana somaram 12 mm, e a previsão para as próximas duas semanas é de 46 mm e 26 mm, o que pode estabilizar os níveis em algumas regiões.
Dados do Serviço Geológico do Brasil (SGB) indicam que, em setembro de 2024, o nível do rio baixou para 1,02 metro — o menor já registrado, superando o recorde anterior de 1,10 metro em 2023, durante a severa estiagem que atingiu a região amazônica.
A cheia do Rio Madeira em 2014, cuja cota chegou a 19,69 metros, atingiu mais de 30 mil famílias em Rondônia, incluindo comunidades ribeirinhas, bairros e distritos da capital, Porto Velho. Foi o maior desastre natural já ocorrido no estado.
Já em 2023 e 2024, uma seca extrema no rio Madeira isolou comunidades, devastou plantações, matou animais e deixou famílias sem água, comida e transporte. As queimadas cobriram cidades, reduzindo a visibilidade e adoecendo pessoas. Os órgãos da justiça tiveram que agir expedindo multas e cobrando medidas emergências.
Reforço humanitário
A Superintendência do Ministério da Pesca e Aquicultura em Rondônia fez um pedido emergencial nesta terça-feira (8) ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social para receber 21.222 cestas básicas.
Os mantimentos serão doados para pescadores artesanais cujas famílias foram impactadas pelas enchentes e precisaram deixar suas casas, enfrentando também obstáculos para acessar serviços essenciais como saúde, educação e energia. A intenção é garantir a entrega de duas cestas básicas para cada trabalhador afetado.
O número de pescadores artesanais chega a 10,6 mil, sendo 5.500 homens e 5.100 mulheres. A maioria vive em Porto Velho, que concentra cerca de 8.100 desses trabalhadores.
A Marinha deslocou para a região o navio de assistência hospitalar Soares de Meirelles, que está prestando suporte às comunidades ribeirinhas isoladas pela cheia. A embarcação oferece atendimentos médicos, odontológicos, exames de imagem e entrega de medicamentos.
A sociedade rondoniense se mobiliza para coletar donativos, alimentos e água para os atingidos pela cheia. Várias organizações públicas e privadas lançaram campanhas de doação.
Fonte: Voz da Terra.