Em mais uma investida para liberar a criação de gado na Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná, os deputados da Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO) aprovaram a Lei Complementar 1.274/2025, que anula automaticamente todas as multas e processos por infrações ambientais cometidas dentro da unidade de conservação, incluindo sanções contra agentes públicos e empresas que adquiriram produtos do local. O texto, aprovado em 28 de abril, também autoriza que os invasores passem a ser considerados ocupantes legalizados e permaneçam por mais 30 anos dentro de uma das áreas protegidas mais desmatadas da Amazônia.
À InfoAmazonia, o Ministério Público de Rondônia (MP-RO) informou que o Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (GAEMA) está analisando a nova lei “para que a medida cabível seja tomada, provavelmente uma Ação Direta de Inconstitucionalidade”.
Essa não é a primeira vez que o Legislativo rondoniense atua em defesa dos fazendeiros da região. Em 2021, os deputados aprovaram uma lei que reduziu em 77% a área da Resex, sob o argumento de que mais de 200 mil cabeças de gado já ocupavam ilegalmente a unidade — um dos maiores rebanhos clandestinos da Amazônia. A medida foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de Rondônia, em uma ação movida pelo MP-RO, por ferir normas federais e comprometer a proteção da unidade de conservação.
Agora, sob novo formato, o Programa Estadual de Regularização Ambiental Diferenciado da Resex Jaci-Paraná (PERAD-RO) instituiu um regime de “uso diferenciado” por três décadas. A adesão ao programa está condicionada à apresentação de planos de recuperação ambiental pelos ocupantes.
O argumento dos deputados é de que a ocupação da região não foi arbitrária por parte dos fazendeiros, mas sim com incentivo e omissão do próprio Estado, que emitiu documentos, infraestrutura e a autorização para atividades produtivas. Na justificativa, o autor da proposta de lei, Dr. Luís do Hospital (MDB), sustenta que a remoção dos ocupantes geraria desemprego, insegurança alimentar e desorganização da produção rural local.
A Resex Jaci-Paraná é a terceira unidade de conservação mais desmatada da Amazônia, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). De acordo com dados do MapBiomas, em 2023, cerca de 77% da área já estava ocupada pela agropecuária. Quando foi criada, em 1996, a reserva tinha 99,8% da sua área coberta por floresta amazônica.
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A lista dos proprietários rurais e invasores da área, como já mostrou a InfoAmazonia, inclui grandes empresários de Rondônia. No entanto, a manutenção do território como uma unidade de conservação tem dificultado cada vez mais a venda de produtos originados dessas fazendas, já que oficialmente toda essa produção é ilegal. Para entrar nas grandes cadeias de abastecimento, o gado criado na Resex precisa passar pelo processo conhecido como “lavagem de gado”, quando é transferido da área protegida para uma propriedade legalizada, de onde é comercializado para os grandes frigoríficos.
Desmatamento na Resex Jaci-Paraná (1996-2020)
Reserva tinha mais de 99% da área coberta por floresta. Em 2020, apenas 35% do território preservava vestígios de mata nativa.
Conivência institucional e expulsão dos extrativistas
As invasões começaram no início dos anos 2000. Na época, o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal moveram ações coletivas para reprimir as ocupações. Algumas resultaram em condenações. A mais recente, de novembro de 2024, condenou dois frigoríficos e três pessoas físicas ao pagamento de R$ 4,2 milhões por desmatamento e criação de gado ilegal dentro da Resex. Outras ações, que incluem grandes frigoríficos, ainda aguardam julgamento.
Mesmo com as decisões judiciais, os ocupantes ilegais seguiram ampliando suas áreas, expulsando quase todos os extrativistas autorizados a explorar a floresta de forma sustentável. Com apoio de órgãos públicos, o rebanho cresceu. Sob o argumento de controle sanitário, o governo de Rondônia manteve a vacinação do gado e continuou emitindo Guias de Trânsito Animal (GTA), que legalizam a circulação do gado mesmo dentro de uma unidade de conservação.
A InfoAmazonia entrou em contato com o governo de Rondônia e a Secretaria de Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) para saber mais detalhes sobre o impacto da nova lei, mas até a publicação da reportagem não obteve resposta.
Fonte: InfoAmazonia.