Mães solo no Brasil: A luta silenciosa de 11 milhões de mulheres pelo sustento e direitos dos filhos

Gazeta Rondônia
11/05/2025 12h22 - Atualizado há 23 horas

No Brasil, cerca de 11 milhões de mulheres enfrentam diariamente o desafio de criar seus filhos sozinhas, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de 2022. Muitas delas, como Cibele*, de 26 anos, assumem integralmente a responsabilidade financeira, emocional e educacional das crianças, diante do abandono dos genitores e de um sistema judicial que, frequentemente, falha em assegurar direitos básicos, como a pensão alimentícia. Em meio a jornadas exaustivas e obstáculos estruturais, essas mulheres encontram apoio em redes formadas por outras mães na mesma situação, construindo uma corrente de solidariedade que sustenta suas famílias.

Uma rotina de desafios e dedicação

Cibele, mãe de um menino de cinco anos, vive uma rotina que reflete a realidade de tantas outras mães solos. Com uma jornada de trabalho de 12 horas diárias, ela se desdobra para garantir saúde, educação, lazer e afeto ao filho, sem qualquer apoio do pai da criança.

Acredito que os melhores momentos são no final de semana, quando consigo me organizar e saio com ele pra passear. É quando a gente se distancia um pouco da correria”, relata.

Apesar do estresse, ela faz questão de proteger o filho das pressões que carrega: “Por mais que seja estressante, sempre tento não incluir ele nesse peso que eu carrego sozinha.”

Momentos de lazer, embora raros, são uma conquista para Cibele, que organiza minuciosamente seu tempo para proporcionar alegria ao filho.

“O que me deixa satisfeita é saber que, através da minha organização, eu consigo manter esse momento com ele”, destaca.

Contudo, a ausência de uma rede de apoio ampla e a falta de políticas públicas eficazes tornam essa tarefa ainda mais árdua.

O acesso à Justiça: um caminho cheio de entraves

A busca por direitos, como a pensão alimentícia, é outro obstáculo enfrentado por mães solo. No caso de Cibele, o processo judicial, iniciado há três anos por meio da Defensoria Pública de São Paulo, ainda não teve resolução. A morosidade do sistema judiciário, que deixa as necessidades das crianças em espera, é um problema recorrente. 

O processo se arrasta há mais da metade da vida do meu filho”, desabafa.

A advogada Sueli Amoedo, especialista em políticas públicas para mulheres e Liderança Jurídica Nacional do projeto Justiceiras, aponta que a lentidão nos julgamentos é apenas uma das barreiras.

“Demandas como pensão alimentícia, guarda e regulamentação de visitas levam tempo, e, quando há decisão, os valores fixados muitas vezes são insuficientes para os custos básicos da criança”, explica.

Além disso, o acesso desigual à Justiça agrava a situação. Em muitos municípios, a ausência de Defensoria Pública força mulheres a dependerem de assistência judiciária municipal, que opera em condições precárias.

Sueli destaca ainda a desinformação como um entrave significativo.

Muitas mães não sabem como entrar com uma ação de alimentos, que documentos precisam ou quais benefícios têm direito”, afirma.

No caso de Cibele, o contato com o Justiceiras foi decisivo: ela descobriu que o juiz poderia ter fixado alimentos provisórios no início do processo, garantindo suporte imediato, e que medidas protetivas poderiam ser solicitadas em casos de violência. Mesmo assim, o desgaste emocional a levou a cogitar abandonar a ação.

Redes de apoio: a força entre mulheres

Sem o suporte do genitor, Cibele recorre à mãe, também chefe de família, para enfrentar imprevistos, como levar o filho ao médico em emergências.

“Quando preciso resolver qualquer coisa, é a minha mãe que está ali. O pai, quando peço, sempre diz que não pode, que não dá”, conta.

Essa rede de apoio feminina é um pilar essencial para muitas mães solo, que, segundo o Censo Demográfico de 2022 do IBGE, representam 49,1% dos responsáveis por unidades domiciliares no Brasil – um aumento expressivo em relação aos 38,7% de 2010.

O mesmo censo revela que 16,5% dos lares brasileiros são monoparentais, com uma pessoa – majoritariamente mulheres – vivendo sozinha com filhos. Em estados como Pernambuco (53,9%), Sergipe (53,1%) e Rio de Janeiro (52,3%), mais da metade dos domicílios são chefiados por mulheres, muitas delas mães solos.

A urgência de políticas públicas

Para Sueli Amoedo, as políticas públicas precisam ser integradas e baseadas na escuta ativa dessas mulheres.

A oferta de creches e escolas em tempo integral é essencial para que elas possam trabalhar com tranquilidade”, defende.

Além disso, a saúde física e mental das mães solo deve ser priorizada, com acesso a consultas, psicoterapia e medicação. No campo financeiro, programas de transferência de renda específicos para mães em vulnerabilidade são urgentes, assim como iniciativas que promovam empregabilidade.

No âmbito jurídico, a ampliação e qualificação do acesso à Justiça é fundamental.

“A ausência de Defensoria Pública em muitos municípios faz com que mulheres dependam de uma assistência limitada, muitas vezes burocrática e desumana”, lamenta Sueli.

A realidade de filas exaustivas e senhas esgotadas desanima muitas mães, que, esgotadas física e emocionalmente, desistem de buscar seus direitos.

Um chamado por dignidade e respeito

A história de Cibele e de tantas outras mães solo é um retrato da resiliência, mas também da necessidade de mudança.

“O que falta é o reconhecimento. Essas mulheres sustentam sozinhas seus lares, educam, trabalham e ainda enfrentam preconceitos. É preciso olhar para elas com respeito, garantindo proteção social, dignidade e oportunidades reais”, conclui Sueli.

Enquanto o sistema não responde com a agilidade e a humanidade necessárias, as mães solos seguem lutando, apoiando-se umas nas outras para construir um futuro melhor para seus filhos.

*Nome fictício a pedido da entrevistada.

Fonte: Painel Político.

 


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