Primo de Chico Mendes e de Marina Silva são atacados após operação do ICMBio

Órgão está retirando gado ilegal de áreas da Reserva Extrativista Chico Mendes, a 5ª Unidade de Conservação mais desmatada da Amazônia

Gazeta Rondônia
14/06/2025 21h45 - Atualizado há 22 horas

Gado sendo detido na Operação Suçuarana, feita pelo ICMBio, na Resex Chico Mendes, no Acre. (Foto: Divulgação/ ICMBio)

Desde 5 de junho, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) deflagrou a Operação Suçuarana, que apreende gado ilegal na Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, no Acre. 

A atuação do órgão gerou manifestações contra o instituto, além de ataques à ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ao seringueiro Raimundo Mendes de Barros, conhecido como “Raimundão”, e a Júlio Barbosa, presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).

A operação ocorre em propriedades que atuam de forma irregular e têm histórico de desmatamento, incluindo uma área conhecida como Maloca, no sul da Resex. Até esta sexta-feira (13), dois fazendeiros já haviam sido alvo: Josenildo de Souza e Gutierrez Rodrigues. Mais de 300 cabeças de gado foram apreendidas.

“Essa ação visa atingir alvos muito específicos, onde já houve ações reiteradas de notificação para retirada de invasores, de ocupantes irregulares, de retirada de gado. Então, ela tem um caráter educativo. De forma contínua, o ICMBio vem identificando áreas com infrações ambientais, cujos pedidos de retirada de gado não têm sido atendidos”, disse a gerente regional do ICMBio, Carla Lessa.

Já houve ações reiteradas de notificação para retirada de invasores, de ocupantes irregulares, de retirada de gado. Então, ela tem um caráter educativo. De forma contínua, o ICMBio vem identificando áreas com infrações ambientais, cujos pedidos de retirada de gado não têm sido atendidos.

As famílias dos dois fazendeiros vivem na Resex há mais de uma década e são conhecidas nas comunidades. Além da retirada do gado, a operação também determinou que Josenildo deixasse a fazenda, conforme decisão judicial recebida pelo ICMBio.

“Ele não é um beneficiário da Reserva Chico Mendes, ele é um invasor, invadiu a unidade e colocou o gado acima do permitido. Recebeu todo o trâmite administrativo. Ainda assim, um oficial de Justiça foi à casa dele, pediu para ele se retirar e ele ignorou. Dessa vez, veio a medida mais enérgica do Estado”, informou a assessoria de imprensa do órgão federal.

Já Gutierrez, de acordo com a assessoria do ICMBio, permanece na área porque ainda tem um recurso pendente no processo judicial.

Ataques nas redes sociais

Em vídeos publicados nas redes sociais, os fazendeiros aparecem lamentando e chorando a perda do patrimônio, além de pedirem que o ICMBio devolva os animais. As imagens geraram comoção popular e têm incentivado outros fazendeiros a disseminar discursos de ódio na internet. 

Esses ataques miram o órgão ambiental e culpam defensores do meio ambiente no estado, como a ministra Marina Silva; Raimundão, defensor ambiental e primo de Chico Mendes; e Júlio Barbosa, presidente do CNS, seringueiro e ex-prefeito de Xapuri, município onde está situada a Resex.

Em um áudio que circula em grupos de WhatsApp, uma mulher não identificada faz ameaças ao seringueiro.

“Eles querem viver a vida deles de malandro, igual ao parente deles. Por isso que morreu o Chico Mendes. Porque a vida deles era curtir preguiça e perseguir a vida dos outros. Portanto, ele chegou até a pegar uma balada nos peitos, ou foi na cara, eu não sei porque não foi no meu tempo. Mas hoje, se ele fosse vivo, talvez a mesma coisa se repetisse, assim como está para se repetir com eles. Porque a vida deles é comprar fiado e não pagar. Por isso, eles não querem trabalhar e ainda perseguem quem trabalha. Pessoal fodido esse do Raimundão”, diz.

O vereador de Xapuri, Alcemir Teodózio (União), foi gravado enquanto conversava com policiais da Força Nacional que atuam na operação, acusando Raimundão de crimes ambientais.

“Não é punindo o Zé (Josenildo) que vai resolver o problema. Punir o Zé é simplesmente enxugar gelo. Então, vai lá no Raimundo, que tem uma serraria. Vamos lá no Júlio Barbosa, que tem uma fazenda na terra deles. Porque são eles que levam daqui pra lá essas questões. Porque são eles os líderes de Marina e Lula”, disse o vereador.

A reportagem também encontrou comentários nas redes sociais com ataques à ministra. “Isso é a Marina se vingando do povo do Acre”, “Esse é o legado de Marina, que criou esses institutos para atrasar o desenvolvimento”, entre outros comentários.

A ministra publicou um post nas redes sociais nesta quinta-feira(12), defendendo a operação. “Importante lembrar que as ações não se dirigem às comunidades extrativistas regulares, legalmente reconhecidas e comprometidas com o uso sustentável da floresta, mas sim a grileiros e criadores de gado irregulares, que vêm expandindo ilegalmente a pecuária na região, gerando desmatamento, degradação ambiental e conflitos sociais”.

A Resex Chico Mendes é a 5ª Unidade de Conservação mais desmatada da Amazônia, com 549 km² desmatados, considerando o período de 2008 a 2024, de acordo com dados do Programa de Monitoramento por Satélite do Desmatamento na Amazônia Legal (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Neste ano, o desmatamento chegou a 43,48 km² e supera em 25% o resultado de todo o ano de 2023, quando foram registrados 34,81 km².

‘Não tenho medo’

Em entrevista à InfoAmazonia, Raimundão disse que está de cabeça erguida e que não vai deixar de proteger o território. Ele informou que a família está preparando as provas das ameaças para registrar uma queixa-crime

A queixa-crime é a petição inicial que dá início a uma ação penal privada, proposta diretamente pela vítima ou seu representante legal. Ela é utilizada nos casos em que a lei exige a manifestação da vontade da vítima para que o processo penal seja iniciado. Deve conter a descrição dos fatos, a autoria e o pedido de condenação do acusado.

“Nós criamos as nossas regras para que a gente possa viver dentro da reserva sem devastar. Nós sabemos a importância que isso tem, não só para a sobrevivência, mas também para ajudar no ecossistema, que hoje está ameaçado. Essas populações novas, não todas, mas parte delas, vêm destruindo de várias maneiras, não só fazendo grande desmatamento, mas vendendo as propriedades para gente de fora. E, quando são abordados para não fazer isso, se irritam e acham que estão certos”, diz Raimundão.

Não é a primeira vez que Raimundão é vítima de ataques e ameaças. Na época em que seu primo, Chico Mendes, foi morto, ele já sofria ameaças de morte, estando na linha de frente da defesa da reserva.

“Quando há uma apreensão de animal ou de madeira, os multados ficam nos acusando de sermos nós que denunciamos, e isso e aquilo. Porque a gente, como protagonista dessa luta, permanece dentro da floresta. Eles ficam com raiva e ficam fazendo ameaças”, contou.

O presidente do CNS, Júlio Barbosa, também relatou que está sofrendo ataques nas redes sociais. O CNS estima que existam entre 200 e 300 famílias vivendo ilegalmente no território, com invasões intensificadas a partir de 2016.

“Para trazer a reserva para o ordenamento jurídico legal dela será necessário retirar toda essa gente. Você já imaginou? Nós temos uma situação grave. Nossa posição é de que precisamos defender a integridade física das nossas reservas e garantir o direito das populações tradicionais que, de fato, precisam da reserva para trabalhar”, disse.

Raimundão afirma que há muita teimosia por parte da população em sair. Eles se recusam a deixar o espaço. Esse é um dos motivos da comoção social que os dois fazendeiros estão causando. Existe o receio de que o mesmo aconteça com outros invasores. O ICMBio não revelou quantas outras pessoas devem ser alvo da operação.

Questionado se está com medo das ameaças, Raimundão nega: “se eu tivesse medo, já tinha cavado um buraco e me enterrado”.

Em entrevista à InfoAmazonia, Gutierrez chorou, disse que deseja se regularizar e afirmou que a criação de gado é sua única forma de sustento. Seu rebanho é de 150 cabeças. Ele vende os bezerros a atravessadores — pessoas que compram e depois revendem — e a frigoríficos.

“Ao longo desses anos todos, fomos botando esse roçado. A gente que mora no campo vive disso. Bota um roçado, bota um negócio e vai indo. Tem uma coleçãozinha de gado, entendeu? Porque a gente não sobrevive sozinho. Nós não temos mais castanha. Nós não temos mais borracha. Você não vê mais extrativismo”, diz.

Ele também pediu ajuda da ministra Marina Silva e deseja que a área da Maloca seja retirada da reserva, para ser destinada ao uso de quem já trabalha com gado.

“Estamos pedindo ajuda para a própria Marina vir aqui. Quero que eles [ICMBio] convoquem uma audiência pública, venham aqui, conheçam a realidade. Vejam se alguém vive de extrativismo aqui. Ninguém. Não tem uma pessoa que compre uma geladeira, uma bicicleta, que seja do extrativismo”, disse.

Na Resex, a criação de gado é permitida apenas para subsistência. De acordo com o ICMBio, a quantidade de 150 cabeças ultrapassa o limite permitido. Após a retirada desse rebanho, o órgão destinará os animais a governos e prefeituras para aproveitamento em programas de alimentação em escolas e centros sociais.

A reportagem também conversou com Renata Mayara de Souza, filha de Josenildo, que perdeu seu gado e foi retirado da fazenda. Ela diz que o pai comprou a área já desmatada e pediu tempo para rever as decisões. 

“Pedimos a suspensão imediata dessas operações punitivas e que se abra um canal de diálogo entre as autoridades. Queremos soluções, não mais problemas. Acreditamos que o caminho é o diálogo, o respeito às famílias que vivem há décadas na reserva e a busca por uma regularização justa e participativa”, disse.

Eles negam participação em ataques a Raimundão e Júlio Barbosa.

Fonte: Voz da Terra.