Traficantes internacionais e nacionais de armas e explosivos são responsáveis por fornecer fuzis, cartuchos e dinamites a quadrilhas de criminosos chamadas de "novo cangaço", como a que atacou três bancos na madrugada desta segunda-feira (30) em Araçatuba, no interior de São Paulo.
O G1 e o Jornal Hoje conversaram com especialistas em segurança pública que explicaram como o armamento, as munições e as bombas chegam até os bandidos. Foram ouvidos membros do Instituto Sou da Paz, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e policiais civis e militares, que não quiseram se identificar.
Levantamento feito pelo G1 mostra que desde abril deste ano já ocorreram mais de dez ataques em cidades diferentes de quatro estados: São Paulo (SP), Paraná (PR), Bahia (BA) e Minas Gerais (MG). Os alvos foram ao menos 14 agências bancárias e uma financeira.
O último ataque foi em Araçatuba. Cerca de 20 criminosos fortemente armados atacaram três agências bancárias no Centro da cidade. Pelo menos três pessoas morreram, segundo a Polícia Civil, sendo dois moradores e um criminoso. Três suspeitos foram presos. Ainda não há informações se algum dinheiro foi roubado pela quadrilha. Vídeos gravados por moradores e câmeras de segurança mostram o ataque e o pânico na cidade (assista acima).
Segundo os especialistas em segurança pública, o caminho do armamento usado por essas quadrilhas passa pelo:
- Contrabando internacional de armas - as armas saem dos Estados Unidos e, geralmente, são exportadas legalmente até o Paraguai. Depois, são trazidas ilegalmente ao Brasil;
- Desvios irregulares de munições das forças de segurança - as munições podem fazer o mesmo caminho das armas ilegais, mas também podem ser desviadas das forças de segurança e fornecidas por atiradores no Brasil que têm autorização para produzi-las;
- Desvios de explosivos de pedreiras - os explosivos são desviados de empresas de construção no Brasil. Depois chegam até os bandidos.
Sou da Paz
Criminosos armados fizeram moradores de Araçatuba (SP) reféns após ataque a banco — Foto: Arquivo pessoal
"Na ação do 'novo cangaço', o que se vê são armas e munições desviados da polícia, explosivos desviados de pedreiras e da construção civil", disse ao G1 o advogado Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz.
Bruno também sugere que os decretos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre as regras para porte e posse de armas e produção caseira de munições no país podem contribuir para que armamentos e balas cheguem mais facilmente aos criminosos.
“Mais recentemente, com todas as liberações que Bolsonaro fez, tem também a possibilidade de mais fonte de desvio que antes não eram possíveis. Antes de Bolsonaro, atiradores esportivos não podiam ter fuzil, agora podem. Então é uma categoria a mais com acesso a essas armas e munições que podem fornecer [aos bandidos]”, alegou Bruno, que também critica o fato, segundo ele, de não haver um órgão específico que consiga rastrear a origem de armamentos.
Segundo os especialistas em segurança, os bandos preferem atacar, em sua maioria, agências bancárias de cidades pequenas, onde as forças de segurança não têm poderio bélico para enfrentar bandos fortemente armados.
A ação criminosa em Araçatuba, cidade na região noroeste do estado de São Paulo com cerca de 200 mil habitantes, durou duas horas, entre ataque às agências, tiroteio e fuga. Para monitorar os policiais, os criminosos contaram com o auxílio de drone.
Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Bomba abandonada por criminosos que atacaram bancos em Araçatuba — Foto: Divulgação/Gate PM SP
Para Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, assaltos como esses poderiam ser evitados se houvesse integração entre os serviços de inteligência dos governos estaduais e os federais para monitorar desvio de armas, munições e explosivos que são desviados pelo tráfico.
"Um crime como esse não pode acontecer dessa maneira de uma forma tão fácil. Você tem uma quantidade grande de carros blindados se deslocando para aquela cidade. Você tem uma quantidade de explosivos que em algum momento desapareceu. Os detonadores que são comprados, ou seja, são todos materiais que deveriam ser regulados e controlados", falou Rafael.
Apreensão de fuzis
No domingo (29), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu dez fuzis, 25 carregadores e 500 balas escondidos em um veículo que trafegava na rodovia Presidente Dutra, em Guarulhos, na Grande São Paulo. O motorista foi preso e confessou que havia saído de Santa Catarina para levar os equipamentos para quadrilhas no Rio de Janeiro.
No ataque em Araçatuba, a quadrilha também usou fuzis. Após investir contra as agências, a quadrilha usou dez carros, abordou pedestres e motoristas e os fizeram reféns na cidade. Os bandidos também cercaram bases da Polícia Militar (PM) e viaturas.
Em vídeos que circularam nas redes sociais, algumas vítimas aparecem em uma espécie de "escudo humano" dos criminosos e sobre carros. Outras imagens mostram eles atirando pela cidade.
Criminosos armados fizeram moradores de Araçatuba (SP) reféns após ataque a banco — Foto: Arquivo pessoal
14 bombas desativadas
Quatro pessoas deram entrada na Santa Casa de Araçatuba com ferimentos; um homem teve os pés amputados após passar perto de um explosivo e acionar o artefato.
A PM isolou ruas e orienta que os moradores não saiam de casa por causa dos explosivos, espalhados ao menos em 20 pontos da cidade. Aulas e transporte público estão suspensas, segundo a prefeitura.
Segundo o tenente-coronel Valmor Saraiva Racorti, comandante do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (PM), até as 12h desta segunda, 14 explosivos encontrados na cidade haviam sido detonados pelo Grupo de Operações Táticas Especiais (Gate). Outros cinco artefatos ainda seriam analisados.
Ele ainda pediu para que os moradores de Araçatuba acionem a PM pelo número 190 caso encontrem encontrem artefatos suspeitos.
"Qualquer fato observado e envolvendo artefato, imediatamente acionar 190 e não chegar próximo. A polícia vai ao local para a gente analisar e tomar as devidas providências”, falou o coronel Valmor ao G1.
'Novo cangaço'
Essa modalidade criminosa, que assusta a população pela violência empregada, é chamada por policiais de "novo cangaço", numa alusão ao histórico bando de Lampião, que levava o medo a cidades do sertão nordestino em meados dos anos de 1930.
Os ataques do "novo cangaço" se baseiam em ações com grupos criminosos que costumam atacar cidades pequenas.
As ações são violentas. Os bandidos usam armas de grosso calibre (em sua maioria fuzis, submetralhadoras e pistolas), coletes balísticos e grande quantidade de munições e explosivos.
Geralmente, segundo o especialista, os suspeitos que contribuem com as quadrilhas que atacam bancos são: traficantes de armas, policiais corruptos e funcionários das empresas que passam ou vendem as cargas para os criminosos.
— Foto: Anderson Cattai/G1 Arte
Fonte: G1