Quando descobri que meu filho Davi, à época com quatro anos, era autista, ele estava matriculado em escola particular. Embora houvesse muito empenho da professora no aprendizado do meu filho, ela não podia fazer milagres pois estava sozinha à frente de uma sala repleta de alunos.
Não havia a figura de um professor auxiliar para ajudar meu filho, que apresentava problemas peculiares a quem está dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Davi tem déficit na cognição e habilidades sociais e precisa de um planejamento de ensino individualizado.
É importante lembrar que a Lei (12.764 de 27/12/2012) determinou que “a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”. A lei estabelece também que “em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular… terá direito a acompanhante especializado.”
Uma Nota Técnica do Ministério da Educação dispõe ainda que “as instituições de ensino privadas, submetidas às normas gerais da educação nacional, deverão efetivar a matrícula do estudante com transtorno do espectro autista no ensino regular e garantir o atendimento às necessidades educacionais específicas. O custo desse atendimento integrará a planilha de custos da instituição de ensino, não cabendo o repasse de despesas decorrentes da educação especial à família do estudante ou inserção de cláusula contratual que exima a instituição, em qualquer nível de ensino, dessa obrigação.”
Apesar do amparo legal que obriga as escolas particulares a pagarem pelo mediador escolar sem cobrar a mais por isso, a verdade é que isso poucas vezes acontece.
Judicializar essa questão leva tempo, dinheiro e desgasta emocionalmente. Resolvemos em casa que iriamos retirar o Davi da escola particular e o matriculamos numa escola pública e regular. Pela primeira vez Davi tinha uma professora que o auxiliava diretamente no processo de aprendizagem.
O salto no desenvolvimento escolar foi impressionante. Aliás, não apenas nesse aspecto. Percebi uma melhora expressiva tanto na comunicação como na interação social dele.
Um ano depois mudei de cidade e tornei a matriculá-lo numa escola particular. Ficava mais perto de casa e era muito cômodo pra rotina familiar. Mas não era nada interessante pro Davi porque, novamente, não havia professor auxiliar em sala de aula e a metodologia de ensino era a mesma aplicada aos alunos típicos. Davi evoluiu pouco.
Novamente transferimos o Davi pra uma escola pública e, a não ser pela pandemia que o afastou por quase um ano e meio da sala de aula, tudo correu a contento. Especialmente agora, após o retorno ao modelo presencial das aulas. Ele adora a escola e, menos de um mês após o retorno, a melhora em seu desempenho, compreensão e raciocínio já se faz notar em casa.
Está mais falante, mais articulado e até propôs passear de carro esses dias, o que muito nos surpreendeu já que nos últimos tempos ele recusava insistentes convites pra ir até a shoppings.
É difícil descrever a emoção que senti ao ver o que o Davi não somente passeou de carro, como consentiu que abríssemos os vidros pra ele sentir o vento. Foi a primeira vez. Normalmente ele fica apavorado. Mas Davi tava aberto a novas experiências. E isso me comoveu extremamente devido a rigidez que os autistas normalmente apresentam. Ele até se permitiu descer do carro! E foi mágico! Mérito dele e também do apoio pedagógico que vem tendo na escola.
O fato é que a maioria das escolas particulares não tem espaço para o tempo, por vezes diferenciado, da pessoa com autismo, conscientização da sala de aula e para o extenso planejamento educacional individualizado que estas crianças precisam e têm direito.
Sem contar que muitas vezes as vagas em escolas particulares desaparecem magicamente tão logo se comunique o diagnóstico de autismo do aluno.
Certa vez procurei uma escola para matricular meu filho, a diretora chegou a me mostrar a escola inteira. Para depois negar a vaga, quando soube que ele era autista alegando que não podia ter mais de um aluno com autismo em sala de aula e que na turma que ele estudaria já havia uma criança com TEA.
A lei não prevê número máximo de crianças com deficiência por turma ou escola. São comuns, no entanto, relatos de pais que ouviram das escolas justificativas sobre um “limite” de capacidade.
Isso sem falar na inclusão. Lembro de algo que ocorreu quando o Davi estudava o 1o ano em escola particular. A data era especial: 2 de abril, Dia Mundial da Conscientização do Autismo.
Ele chegou em casa sem que a escola, nem o professor, sequer mencionassem algo sobre o assunto. Na creche que minha sobrinha de três anos frequentava o dia foi lembrado e houve conscientização sobre o tema para os pequeninos.
Fiquei frustrada, obviamente. Davi era o único autista da sala dele e mesmo assim não houve esforço da escola ou do professor em tornar essa data uma ocasião perfeita para conversar sobre autismo em sala de aula e promover a inclusão e o conhecimento sobre o tema.
Davi hoje tem nove anos e cursa o 3o ano numa escola pública regular de ensino fundamental. Em uma reunião de pais falei com a diretora sobre a necessidade de se conversar com os alunos da sala do meu filho sobre o autismo. É uma forma das outras crianças entenderem porque o Davi é diferente delas. A direção se mostrou muito acessível a ideia e já recebi convite para ir até a escola para discutir o assunto.
A verdade é que minha experiência mostrou que quando se fala em inclusão escolar, as escolas públicas estão muito mais abertas. Enquanto as particulares, em sua maioria, têm uma grande exigência por um alto desempenho dos alunos – que começa ainda na primeira infância.
E essa linha pedagógica conteudista, com foco em atingir bons resultados em rankings escolares, pode até funcionar bem para alunos neurotípicos. Mas no caso de crianças autistas a abordagem deve seguir por um caminho de menos pressão e mais atenção.
Certamente há exceções. Mas ainda não tive o prazer de conhecer nenhuma escola particular que aplicasse a lei, como ela deve ser cumprida, e que se esforçasse para ter uma abordagem de ensino, de fato, inclusiva.
Por Josi Gonçalves
Jornalista, mãe do Davi.