"Todo ser humano em sua camada mais profunda busca afetividade. A afetividade é a validação daquilo que nós somos. O ser humano se valida da afetividade do outro", diz a psicóloga e mestre pela Universidade Federal de Rondônia (Unir), Selena Castiel, para explicar um dos vínculos que faz com que a vítima de violência doméstica permaneça com o agressor. Outras características destacadas pela especialista são: a financeira e a familiar.
A ameaça quando a vítima é mulher, crime também classificado como pertencente ao rol da violência doméstica, apresentou um aumento de 2.367 para 2.453 ocorrências registradas no primeiro semestre de 2020 em comparação com o mesmo período de 2021. Os dados foram informados pela Secretaria de Estado da Segurança, Defesa e Cidadania (Sesdec).
De acordo com a delegada Fabiana Moreira, é importante que a vítima faça o registro da ocorrência quando for ameaçada, pois é dessa forma que a autoridade policial pode tomar conhecimento da situação. As delegacias especializadas no atendimento à mulher oferecem a estrutura para receber a vítima, mas a mulher pode se dirigir a qualquer delegacia.
"É importantíssimo que essa mulher compareça a uma delegacia de polícia para fazer o boletim de ocorrência. É uma forma de evitar um mal maior e para que as autoridades tenham conhecimento do que está ocorrendo. Assim ela pode ser amparada por meio da medida protetiva ou até mesmo ser encaminhada a uma casa de acolhimento [caso haja risco iminente de morte]. Mas é preciso que ela dê o primeiro passo, o registro de ocorrência".
O crime de ameaça, no ciclo da violência, se enquadra na agressão psicológica e emocional, que é quando o homem, muitas vezes, além de agredir fisicamente a companheira, a manipula por meio de palavras opressoras, deixando-a cada vez mais fragilizada. Além de ameaça, os crimes de difamação, calúnia, injúria e lesão corporal, fazem parte do rol violência doméstica
O relacionamento abusivo, destaca a psicóloga Selena Castiel, desenvolve na vítima diversos traumas psicológicos e patologias como: depressão, síndrome do pânico, ansiedade generalizada e muitos outros.
A especialista explica que a permanência da mulher, muitas vezes nesse tipo relacionamento, está mais ligada a dependência emocional, onde ela sente culpa e acredita ter falhado em seu papel na relação. Sentimento esse manipulado pelo companheiro agressor.
"Elas sentem culpa no processo que estão vivendo e acreditam que está relacionado de alguma forma ao comportamento e até mesmo ao estereótipo físico dela. Quando ela está completamente inserida nesse cárcere patológico, o agressor joga para a questão do afeto. Ele bate, mas dá afeto. Até a mulher conseguir dar conta do que ela vive, pode se passar muito tempo", explica.
Ainda que com medo, a mulher sente-se impotente. Em diversos casos, explica a especialista, ela pensa que foi coisa momentânea e que o agressor vai mudar.
"É importante também se falar das idealizações, as projeções, as fantasias em que ela acredita que esse parceiro será aquilo que ela espera e idealizou um dia".
Muitas barreiras existem entre a mulher perceber que sofre violência doméstica e denunciar o seu agressor. Segundo especialistas, o início do resgate começa quando ela percebe que vive um relacionamento abusivo e que é preciso sair dele. É essencial que essa mulher encontre nesse caminho profissionais preparados para atendê-la de maneira humanizada, com compreensão ampla sobre a violência doméstica, sem revitimizá-la.
Acolhimento, afeto e o não-julgamento de pessoas próximas são essenciais. É por meio de fortalecimento, explica a psicóloga Thaís Tudela, que faz o atendimento das vítimas de violência doméstica no Creas, que essa mulher vai conseguir se desvincular com o agressor.
"Tendo o contato externo é que ela [vítima], muitas vezes, começa a perceber o que está acontecendo e passa, então, a se ver dentro do ciclo da violência. É nessa hora que ela precisa buscar ajuda para sair".
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O defensor público Fábio Roberto explica a importância de facilitar cada vez mais o acesso da vítima ao órgão que prestará algum tipo de amparo. Ele ainda destaca a responsabilidade do envolvimento da sociedade para combater esse crime.
"A Lei Maria da Penha busca proteger a liberdade individual, moral, sexual, psicológica, financeira das mulheres e dar a possibilidade de uma penalização maior de alguns crimes quando cometidos nas relações. É preciso que todos nós participemos para acabar, se não, diminuir, a covardia que ocorre nas relações domésticas, familiares, afetivas. É preciso combater esse câncer dentro das relações".