"Não me dê o prazer de dar um tiro em vocês na frente da sua mãe". Essa foi a frase que dois adolescentes dizem ter ouvido de policiais que participam da Operação Nova Mutum, segundo relato de Maria de Lourdes, uma das dezenas de pessoas retiradas de propriedades invadidas.
A operação Nova Mutum envolve cerca de 400 agentes da força de segurança e busca realizar reintegração de posse em oito fazendas de Rondônia.
A família de Maria vivia há quase dois anos no acampamento Tiago dos Santos, uma área de conflito agrário localizada entre Nova Mutum Paraná e Abunã, distritos de Porto Velho. A família foi retirada do local na última quarta-feira (20) e, desde então, está abrigada na Escola Municipal Santa Júlia — com cerca de outras 600 pessoas, sendo mais de 100 crianças.
"Tudo que eu tinha foi destruído. Hoje se eu tenho um colchão velho sem capa foi porque foi doado", conta a acreana que foi para o acampamento com a promessa de ter um lugar onde pudesse plantar, colher e criar animais para garantir a própria alimentação, dos seis filhos e três netos.
Segundo Maria, os policiais não deixaram que eles pegassem nenhum mantimento, pois teriam alimentação quando chegassem no abrigo. No entanto, adultos e crianças dizem que passaram mais de 24 horas sem comer e só conseguiram alimentos através de doações comunitárias.
"Mãe de família sabe como é difícil colocar um pão na mesa dos filhos. Eles [policiais] queimaram a minha feira, minha dormida, eles disseram 'você tem cinco minutos para entrar dentro do seu barraco velho tirar duas mudas de roupa'" lembra.
O caso de Maria de Lourdes é semelhante aos relatos de várias outras famílias. Irene Casemiro, de 44 anos, contou que saiu de União Bandeirantes, distrito de Porto Velho, há cerca de dois anos para se abrigar no acampamento.
"Eu vim para o acampamento porque eu não dava conta de pagar aluguel. Na cidade se você não tiver um bom emprego você passa fome", conta.
Ela, assim como várias outras pessoas do acampamento, reclamam das atitudes dos policiais com relação aos acampados, durante a operação de reintegração de posse.
As duas mulheres pretendem voltar para o local. "Não quero ver meus filhos passarem fome", diz Maria.
Durante coletiva de imprensa realizada nesta sexta-feira (22), o comando da Polícia Militar garantiu que os camponeses estão recebendo assistência social e que até agora não tem conhecimento de nenhuma denúncia contra a atuação dos policiais na operação. De acordo com a PM, os camponeses destruíram uma grande área de floresta e praticaram diversos crimes ambientais.
Em nota, a corporação declarou que durante a Operação Nova Mutum, "o policiamento ocorre com a realização de postos de bloqueios e controle de estradas, visando prover a segurança de todas as pessoas que circulam na região, primando pelo restabelecimento da ordem pública e preservação do patrimônio".
Disse ainda que todos os contatos com os invasores são feitos "de forma pacífica e sem truculência, respeitando a dignidade da pessoa humana, sem uso da força".
Cozinha improvisada na Escola Municipal Santa Júlia. — Foto: Jaíne Quele Cruz/g1
Na tarde da quinta-feira (21), de acordo com informações apuradas pela Rede Amazônica na Escola Municipal Santa Júlia, os abrigados estavam sem energia elétrica e água. Quando conseguiram doações de alimentos, precisaram utilizar um fogão a lenha improvisado, pois a Secretaria Municipal de Educação não teria autorizado o uso da cozinha da escola.
Até a quinta-feira, cerca de 600 pessoas estavam abrigadas na instituição escolar. Aproximadamente 20 famílias são de três etnias indígenas. Além disso, vários deles foram diagnosticadas com malária e não possuem acesso a medicações e demais formas de tratamento. As famílias reclamam também da falta de assistência do poder público para lidar com toda a situação.
A advogada da Comissão Pastoral da Terra, Lenir Correa, declarou que não houve um plano de remoção e que a assistência social não apresentou um plano para atender essas famílias.
"Parece que é uma cartilha seguindo todas as violações de direitos humanos e de acesso aos direitos básicos", comenta a advogada.
Segundo ela, os conflitos agrários afetam várias regiões de Rondônia e só serão resolvidos com o envolvimento políticas públicas e discussões.
"O Governo de Rondônia decidiu que a questão agrária é questão de polícia, segurança pública. Ele acha que prender, expulsar as pessoas do campo, bater, matar vai resolver o problema. Na verdade a gente sabe que a questão agrária no Brasil, e Rondônia especialmente, é uma questão social", opina.
A Prefeitura de Porto Velho informou que a assistência social "cumpre seu papel de atendimento às famílias em situação de vulnerabilidade e risco social, por isso um ponto de triagem foi realizado na Vila da Penha".
Disse ainda que após a escuta técnica, a equipe constatou que as famílias "não desejam acolhimento institucional, nem irem à cidade, mas sim o direito à terra". A assistência social também declarou que desde o início da reintegração, pontuou junto ao Ministério Público do Estado (MPE) quanto à limitação de alimentação, água, entre outros serviços, para atender um número grande de famílias.
O Governo de Rondônia não se pronunciou até o momento.
Na última terça-feira (19), cerca de 400 policiais foram movidos para iniciar uma ação de reintegração de posse em oito fazendas de Rondônia que são áreas frequentes de conflitos agrários. No primeiro dia duas pessoas pessoas foram presas.
No entanto, na última quinta-feira (21), uma liminar da ministra Cármen Lúcia (STF) determinou que a PM suspenda a reintegração da área dessa fazenda até o julgamento da ação.
Em uma coletiva de imprensa nesta sexta-feira (22), o coronel da PM-RO, Alexandre Luis de Freitas Almeida, diz que vai acatar a decisão da ministra, porém o estado deve tentar reverter a ordem judicial. Fonte: G1