Com a morte do último de um povo completamente desconhecido, resta uma dúvida: com quem vai ficar a terra indígena de mais de 8 mil hectares? “O que esse governo deveria fazer é enterrá-lo naquela área, porque a terra é dele; além de criar uma espécie de memorial, uma reserva ou um parque em memória e em respeito a esse povo todo que foi massacrado”, sugeriu a ativista e ambientalista.
Por outro lado, Neidinha acredita que o destino da Terra Indígena Tanaru será bem diferente e, também, mais trágico, mas nada tão distante da triste e severa realidade que se tornou a Amazônia, figurada pelo “passar da boiada”.
“Para mim, o que está por trás disso tudo [a demora no sepultamento], é que não querem que ele seja enterrado no seu território, pois querem grilar o território. Querem se apropriar desse território”,
Protegida por portarias de restrição de uso da Funai, a terra Tanaru é dividida entre quatro municípios: Corumbiara, Chupinguaia, Parecis e Pimenteiras do Oeste. O local é cercado por muitas fazendas de gado e sofre grande pressão de pecuaristas e políticos. A Funai ainda não informou o que fará com a região.
Em um dos raros registros em vídeo, o ‘Índio do Buraco’ aparece cortando um tronco de árvore com o que parece ser um machado artesanal (Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé/Reprodução
Entidades cobram respostas
O enterro foi cancelado por meio de um ofício do atual presidente da Funai, Marcelo Xavier, sob a justificativa de que ainda falta uma análise genética mais detalhada que visa identificar a ancestralidade étnica do “Índio do Buraco”.
A decisão foi mal recebida pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que acionou o Ministério Público Federal (MPF) contra o gestor da fundação, pela demora em apresentar respostas sobre o sepultamento.
“(…) Passados mais de 54 dias da morte do indígena Tanaru, não há notícia sobre a data, o local e o sepultamento do mesmo”, publicou a Coiab. “A situação é grave e exige atuação enérgica do parquet [Ministério Público], que tem como missão constitucional a defesa dos povos indígenas”, acrescentou em nota
No documento enviado ao MPF, a entidade pediu investigação contra Marcelo Xavier por “possíveis crimes” praticados por ele na gestão da Funai, especialmente, na demora para realizar o sepultamento do indígena da terra Tanaru, apontando omissão da parte dele frente ao órgão criado para preservar a existência e a memória das populações nativas do País.
“Desde meados dos anos 1990, quando surgiram as primeiras notícias sobre a existência do ‘Índio do Buraco’ e dos povos isolados Akuntsu e Kanoê, o MPF atua para resguardar o direito desses povos. Naquele período, o órgão realizou trabalho conjunto com a Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé, da Funai, para que a área desses povos fosse respeitada e juridicamente resguardada”, diz o MPF.
A representação brasileira da organização não-governamental em defesa dos Povos Indígenas, Survival International, também repudiou a negligência. Chamou a pasta de “Nova Funai de Jair Bolsonaro e Marcelo Xavier”.
Genocídio
O “Índio do Buraco” ganhou este nome porque ficou conhecido por abrir covas na mata, comportamento que até hoje os indigenistas não entendem. Ele nunca aceitou estabelecer contato com o homem não indígena, nunca aceitou presentes, como ferramentas e alimentos, e também nunca reproduziu um único som, ao encontrar pessoas que vieram de fora da floresta. Visto poucas vezes, quase não existem registros dele, em vídeo.
O que diz a Funai
Procurada pela AGÊNCIA AMAZÔNIA, a Funai não comentou sobre o suposto armazenamento dos restos mortais no prédio da PF, em Vilhena, e também não entrou em detalhes sobre o cancelamento do enterro. Disse apenas que ainda “aguarda os laudos para definir melhores procedimentos quanto ao sepultamento do indígena”. Fonte: UOL