Uma servidora do MPRO foi vítima de uma vingança do ex-namorado. Inconformado com o fim do relacionamento, e com ajuda de outra mulher, eles criaram um e-mail difamando a vítima. Como resultado, ela perdeu o emprego no MP, órgão que tem obrigação de zelar pela sociedade, praticamente 10 anos depois, o agressor segue impune na esfera cível, sem pagar indenização a qual foi condenado.
Ex-Procurador Geral de Justiça disse que "de concreto neste caso só a vítima foi punida com a perda do emprego, já que o agressor sequer pagou a indenização a qual foi condenado"
Advogado da vítima diz que agressor está ocultando patrimônio para não pagar a indenização. “Eu havia feito um procedimento cirúrgico e após muita insistência da parte dele, inocentemente mandei algumas fotos. Essas imagens foram compartilhadas após o fim do relacionamento que ele se recusava a aceitar. Me ameaçou de todas as formas e ele nunca foi punido. Eu que fui vítima, tenho que ficar revivendo esse assunto todos esses anos. É inaceitável que essa situação continue. Ele foi condenado criminalmente, mas não foi preso porque o crime prescreveu, e nas ações cíveis, segue impune, fazendo chicana para não pagar o que deve. Nunca foi homem na vida”.
Ela perdeu o emprego, passou por uma profunda depressão e levou mais de um ano para se recuperar de um vazamento de fotos proposital, feito pelo ex-namorado que não se conformava com o fim da relação.
Conheça o caso
O dia 12 de junho, data comemorativa dos namorados, foi um show de horrores para uma mulher de Porto Velho que teve uma sequência de fotos em que aparecia nua, tiradas pós-procedimento cirúrgico, vazadas pelo ex-namorado e por uma outra mulher. O ano era 2013 e ela acordou com dezenas de mensagens em seu celular, enviadas por homens que queriam saber o ‘preço do programa’, por conta de um e-mail falso que foi encaminhado para centenas de contatos.
Era o começo de um pesadelo que se arrasta até hoje por conta da ineficácia da justiça em proteger as vítimas desses crimes virtuais, e na demora em conseguir punir o empresário Carlos Victor Scardua Soares, conhecido como ‘Piu‘, que administra um restaurante especializado em moquecas em Porto Velho.
Condenado em 2018 pelo Superior Tribunal de Justiça a pagar pouco mais de R$ 198 mil por danos morais e materiais, ele passou, segundo o advogado da vítima, a ocultar o patrimônio pessoal transferindo para terceiros e sempre fugindo de citações e intimações.
Outra acusada no episódio, Camila Àgatha Zago também foi condenada, mas está recorrendo.
Os prejuízos provocados pela dupla à vítima foram devastadores. Por conta do episódio das imagens, ela passou a ter problemas de rendimento no trabalho, foi exonerada de um cargo de confiança que ocupava no Ministério Público, que tem obrigação de zelar pela segurança da sociedade, mas foi omisso neste caso, e teve que fazer acompanhamento psicológico ficou sem conseguir sair de casa por semanas.
O criminoso, inconformado com o fim do relacionamento, criou um e-mail onde colocou o telefone da vítima, como se ela fosse garota de programa. Enviou a correspondência eletrônica para contatos dela e outros, com textos chulos como se ela estivesse se oferecendo. Além disso, encaminhou as fotos e textos para grupos de mensagens. Os dias que sucederam o crime foram de pesadelo.
E não tem como sair dele enquanto a justiça não for feita.
Abaixo, o texto encaminhado com fotos, algumas retiradas de redes sociais da vítima, as que ela havia tirado no pós-operatório e outras atribuídas a ela.
“Eu demorei muito pra tomar essa decisão e causar essa polêmica de expor meu corpo, meu sonho sempre foi posar nua e eu gostaria que essa exposição tomasse uma grande repercussão e quem sabe um dia uma revista me chame para posar nua! Meu nome é […]. Trabalho para o Ministério Público de Porto Velho! (Não sei mais se trabalho depois de me expor assim:/).
Tenho 40 anos de pura experiência, com um corpinho de 20! (Lógico que cirurgia plástica me ajudou muito) mas é tudo meu! Eu tomei essa decisão de me expor depois de 22 anos me relacionando, namorando, casando e vi que minha felicidade está no sexo, na exposição eu nunca vou ser feliz com um único homem, eu sou ninfomaníaca eu amo sexo!!! Então vou ganhar dinheiro com a coisa que eu mais gosto no mundo!!! S E X O. Quem se interessar na Disneylandia do prazer meu contato é […] – atendo a domicílio – segue em anexo minhas fotos (04 fotos de corpo inteiro nu em frente ao espelho, 02 fotos de corpo inteiro de biquíni em frente ao espelho, 01 foto de meio corpo vestido, 01 foto de corpo inteiro vestido, 01 foto de meio corpo de top, 02 fotos de rosto e 01 foto de genitália).
Texto do e-mail produzido pelo empresário que seguia com fotos da vítima
Em 2021 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso do criminoso, e aumentou o valor da indenização para R$ 196.248,99
O processo tramita na 10º Vara Cível de Porto Velho e em abril deste ano, mais um recurso do empresário Carlos Victor Scárdua foi rejeitado. Sua defesa alegou que “lhe foi atribuída a criação do e-mail e a propriedade do IP, sem a devida fundamentação e/ou qualquer prova técnica, não podendo ser a atribuição suprida por declarações de testemunhas”. O TJRO negou o recurso.
O criminoso também chegou a pedir gratuidade da justiça, e ao ter negado o pedido, contratou um escritório de advocacia de Porto Velho comandado pelo filho de um desembargador. Os sucessivos recursos vêm servindo para tumultuar o processo.
Todas as tentativas de bloqueio judicial restaram sem resultados, e a vítima segue com dois traumas, o da exposição criminosa e a morosidade da justiça em dar um desfecho minimamente digno ao caso.
Os advogados da vítima passaram a procurar bens em nome do empresário, e descobriram que ele havia transferido propriedades que estavam em seu nome, para sua mãe, na tentativa de ocultar o patrimônio. Por conta disso, os advogados alegaram fraude a execução, que ainda está em grau de recurso. A juíza abriu prazo para que o criminoso apresentasse defesa sobre mais essas acusações.
Família, a outra vítima
A filha da ex-servidora do MP de Rondônia, que na época tinha apenas 10 anos, também foi uma vítima do episódio. Ela teve que trocar de escola, passou por acompanhamento psicológico e também é parte no processo.
MP foi omisso no episódio, “de concreto neste caso só a vítima foi punida com a perda do emprego”
Quando ocorreu a distribuição criminosa das imagens, a vítima ocupava um cargo de confiança no Ministério Público de Rondônia. O Procurador Geral de Justiça à época era Heverton Aguiar, responsável atualmente titular da 1ª Procuradoria de Justiça, disse que se recorda do episódio e lamenta não ter dado a devida atenção:
“Na época eu estava envolvido em uma série de operações, e não dei a devida atenção. Mas realmente recordo do episódio, e ela chegou a fazer contato comigo por duas vezes. Tão logo tomei conhecimento sobre o caso, conversei com o secretário-geral da época, Renato Puppio, que era chefe direto dela. Ele me disse que iria dar o encaminhamento a promotoria criminal. Soube depois que a denúncia foi aceita, mas não acompanhei o desfecho e estou surpreso ao saber que houve prescrição da punição”, disse Aguiar.
Renato Puppio, que na época era secretário geral do Ministério Público e responsável pela contratação da vítima, afirmou que:
"Desde o início ela relatava problemas pessoais, que, de maneira crescente e permanente, foram afetando seu desempenho no trabalho. Após algumas conversas e tentativas de ajuste, optei por solicitar sua exoneração”.
Quanto ao episódio do e-mail difamatório, Puppio declarou “não ter maior informação porque nunca teve atribuição legal sobre tal. Mas soube que houve denúncia do MP a respeito”.
De acordo com o ex-Procurador Geral Héverton Aguiar, naquele período o Ministério Público havia implementado um programa de melhoria da saúde mental dos servidores, e o caso deveria ter sido resolvido nessa instância.
“Evidente que falhamos nesse episódio, e realmente lamento que isso tenha ocorrido. Foi um período turbulento e a sobrecarga terminou afetando a capacidade de cuidarmos de nosso pessoal. De concreto neste caso só a vítima foi punida com a perda do emprego, já que o agressor sequer pagou a indenização a qual foi condenado”. Finalizou Aguiar.
Fonte: Painel Político.