Depois de cinco anos fechado para revitalização, o Complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM) será reaberto parcialmente para visitação a partir deste sábado (4). O local é tombado como Patrimônio Cultural Brasileiro desde 2006 e sua história se mistura com a do estado de Rondônia.
"A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré é a responsável pela origem de Porto Velho. A História não trabalha com "se", mas certamente se não tivesse a estrada de ferro, dificilmente Porto Velho e consequentemente o estado de Rondônia teriam surgido".
A fala, que é do historiador e professor Célio Leandro, relembra que o município de Porto Velho nasceu às margens do rio Madeira, durante a construção da EFMM. O local, símbolo de Rondônia, foi fechado em 2019 para passar por uma revitalização.
A obra da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré era parte do Tratado de Petrópolis (1903), firmado entre o Brasil e a Bolívia para pôr fim ao conflito sobre o território onde hoje fica o Acre. A Bolívia era a principal interessada na ferrovia, mas não conseguiu construí-la.
O objetivo da ferrovia era "abrir" um corredor para escoar a produção, sobretudo da borracha produzida na região. Quando o Acre (que pertencia à Bolívia) se tornou alvo de disputa, uma das exigências da Bolívia para "vender" o território, em 1903, foi que o Brasil se tornasse responsável pela construção.
Em um período de cerca de cinco anos, a EFMM e Porto Velho são construídas com "suor e sangue"
Muitos trabalhadores morreram durante a construção e por este motivo, a estrada de ferro recebeu o apelido de "Ferrovia do Diabo". Os operários morriam de doenças como malária, febre amarela e pneumonia.
Os trilhos da EFMM tinham mais de 360 km de extensão e ligavam os portos de Santo Antônio do rio Madeira, em Porto Velho, ao de Guajará-Mirim, no rio Mamoré, na fronteira com a Bolívia. Eles praticamente não existem mais.
Após ser inaugurada, em 1912, a EFMM deu lucro por somente dois anos. Depois disso, ela entrou em declínio devido à queda vertiginosa da participação brasileira no mercado da borracha. Isso porque a borracha asiática entrou na concorrência e afetou consideravelmente a exportação brasileira.
Após 54 anos de funcionamento, a estrada de ferro foi completamente desativada e o escoamento da produção passou a ser feito por uma rodovia, a BR-364 (os trilhos e a rodovia ficam em trechos distintos).
Segundo o historiado Célio Leandro, após a desativação da EFMM na década de 1970, cerca de nove locomotivas foram deixadas nos trilhos que ligavam Porto Velho a Guajará-Mirim, próximo do atual cemitério da Candelária. O local é conhecido como "Cemitério das Locomotivas".
Desde 2006, o complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré é protegido como Patrimônio Cultural Brasileiro por meio do seu tombamento pelo Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
"Ali pessoas morreram, pessoas trabalharam, pessoas constituíram o que somos hoje. A sociedade portovelhense é um reflexo de tudo aquilo ali. Hoje, Porto Velho é uma cidade muito heterogênea, há uma mistura muito grande que nos cerca. A origem do que somos está ali naquele complexo", aponta Célio.
A história da construção da EFMM se tornou enredo para a minissérie "Mad Maria" produzida e exibida pela Rede Globo, baseada no romance homônimo do escritor e cientista social amazonense Márcio Souza.
Paulo da Costa Ramos, de 78 anos, começou a trabalhar na EFMM aos 12 anos, no chamado "trem de lastro": locomotiva que transportava materiais como granito e madeira, que eram colocados no trilho para fornecer estabilidade. Na época, sua carteira de trabalho foi assinada pela 'Rede Ferroviária Federal'.
Após um grave acidente que matou dois colegas de profissão de Paulo, a estação foi desativada e ele foi transferido para o setor de 'estiva', onde ficou responsável por carregar e descarregar cargas que vinham de outros estados de caminhão e até de navio.
Depois disso, Paulo e outros colegas de profissão foram transferidos para o quartel militar. Atualmente, ele é voluntário na administração da antiga ferrovia.
'Eu gastei quase toda a minha vida aqui [EFMM]. Hoje, aos 78 anos, eu tenho um maior apreço por esse local e por essas locomotivas. É o nosso legado. Meu maior sonho é que um dia ela volte a funcionar e eu ainda chegue a trabalhar nela novamente ", relata.
Veja como está o andamento da reforma do Complexo da Estrada de Ferro Madeira Mamoré
O complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré foi oficialmente fechado para reforma em 2019.
Cerca de R$ 30 milhões foram investidos pela Santo Antônio Energia na revitalização, como compensação ambiental pela construção da hidrelétrica de Santo Antônio, instalada no rio Madeira. A hidrelétrica fica a cerca de 6 km do complexo.
A reforma compreende apenas o espaço localizado no centro de Porto Velho, onde funcionava a estação ferroviária. Os trilhos fazem parte da revitalização e não há previsão de que as locomotivas voltem a circular.
A obra feita pela Santo Antônio foi concluída em maio de 2023. Um mês antes, em março, um contrato de concessão do complexo foi assinado entre a prefeitura de Porto Velho e o grupo Amazon Fort Soluções Ambientais e Serviços de Engenharia Ltda, vencedora da licitação pública.
O documento estipulava o prazo de cinco meses para a Amazon Fort concluir a obra e reabrir a EFMM. O prazo não foi cumprido. O g1 questionou à Amazon Fort sobre o motivo do atraso nas obras, mas a empresa não respondeu o questionamento.
Após uma reunião realizada na sede do Ministério Público Federal entre os responsáveis pelo complexo, foi estabelecido o dia 30 de abril para reabertura parcial do local. Posteriormente, a data foi adiada para 4 de maio, em razão de um desencontro com a agenda do prefeito Hildon Chaves.
De acordo com a prefeitura, um espaço de 106 mil metros² foi revitalizado. A obra compreende a reconstrução/reforma de:
Complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré visto de cima, em Porto Velho — Foto: Prefeitura de Porto Velho/Divulgação
Após cinco anos em reforma, a reforma do complexo deve ocorrer apenas de forma parcial. Nessa primeira etapa, a população terá acesso somente às praças e ao museu. Outros espaços, como praça de alimentação e box comerciais, não estão disponíveis.
O g1 questionou à empresa sobre o motivo dos outros espaços ainda não estarem disponíveis para o público e se há uma previsão para reabertura total, mas a empresa não respondeu.
Apresentações culturais e outras atividades estão previstas para o evento de reabertura, que deve começar às 10h e finalizar às 22h do sábado.
Confira a programação: