Ser Professor é profissão, não é sacerdócio e nem missão
Falas equivocadas em evento da SEDUC, na véspera do Dia dos Professores, revelam a persistência de visões romantizadas e desinformadas sobre a docência
Na véspera do Dia dos Professores, durante um evento institucional promovido pela Secretaria de Estado da Educação (SEDUC), que reuniu diversas autoridades e representantes públicos, incluindo dois deputados estaduais, o que poderia ser um momento que valorizasse o papel do professor acabou se transformando em motivo de indignação.
Um dos parlamentares afirmou que “ser professor é um sacerdócio, que o professor trabalha por amor”. O outro, em tom semelhante, declarou que “ser professor não é profissão, é missão” e completou dizendo que “o professor transmite conhecimento”.
Difícil permanecer indiferente diante de discursos assim. Eu mesma, confesso, me contorci na cadeira ao ouvir tamanha insensatez. Sacerdócio? Desde quando exercer a docência é equivalente à autoridade de representar Deus na Terra? O sacerdócio, até onde sabemos, é uma função religiosa, atribuída a quem recebe a incumbência espiritual de servir ao divino.
E missão? Missão é a tarefa que alguém executa a pedido de outrem, geralmente sem caráter profissional, sem vínculo formal ou remuneração.
Mas talvez o ponto mais preocupante dessas falas tenha sido a afirmação de que o professor “transmite conhecimento”. Ninguém transmite conhecimento. O ato educativo é, como defende a perspectiva histórico-crítica, um processo dialógico e mediador, em que professor e estudante constroem o saber de forma coletiva e crítica, a partir da realidade concreta e das contradições sociais. Reduzir o ensino à simples “transmissão” é negar o caráter emancipador da educação.
Essas declarações, proferidas justamente por quem ocupa cargos de representação política, revelam o quanto o discurso da “vocação” e do “amor à profissão” ainda serve para mascarar a desvalorização histórica do magistério. Sob uma perspectiva histórico-crítica e cultural, é possível perceber que essa visão romântica e distorcida da docência — ora como missão divina, ora como mera transmissão de conteúdos — é fruto de uma construção social que busca subordinar o trabalho docente, desconsiderando sua natureza intelectual, científica e transformadora.
Trabalhamos, sim, por compromisso ético e pela convicção de que a educação transforma vidas. Mas não — não trabalhamos por amor. Trabalhamos por direito, por dever profissional, por reconhecimento do saber e do esforço que nos constitui como educadores.
Em condições, muitas vezes, precárias, com salários baixos e pouco reconhecimento social, seguimos dedicados à formação de cidadãos críticos. São anos de estudo e aperfeiçoamento contínuo: quatro de graduação, dois de especialização, mais dois de mestrado, quatro de doutorado — e a formação não para aí. Participamos de grupos de pesquisa, eventos, congressos e publicações acadêmicas. Ainda assim, ouvimos de quem ocupa cargos de representação que nosso trabalho não é profissão, mas uma “missão”.
Declarações como essas desrespeitam e desvalorizam uma categoria que carrega sobre os ombros a base de todas as demais profissões. Ser professor é, sim, uma profissão. E uma das mais complexas e essenciais à sociedade.
Neste Dia dos Professores, é fundamental reconhecer a importância social e cultural da docência — um trabalho que ultrapassa os muros da escola e contribui diretamente para a construção de uma sociedade mais crítica, justa e consciente, com cidadãos capazes de refletir, questionar e transformar a realidade em que vivem.
O que esperamos, portanto, não são discursos vazios, mas reconhecimento concreto: políticas públicas de valorização, melhores condições de trabalho, salários dignos e, sobretudo, o respeito à nossa identidade profissional.
Que discursos romantizados e ultrapassados deem lugar à valorização real daqueles que ensinam a pensar — inclusive, a pensar criticamente sobre quem nos representa.
Texto: Sorhaya Chediak.