31/07/2021 às 07h38min - Atualizada em 31/07/2021 às 07h38min

Com vagas não preenchidas e gente procurando trabalho, novas iniciativas buscam solucionar esse dilema em Cerejeiras

Números de geração de emprego seguem positivos no município, mas nem todos conseguem aproveitar as oportunidades. Esta reportagem tenta apontar um caminho.

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Rildo Costa

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O contador Willian Jhon está no mesmo emprego há 12 anos. A empresa ofereceu apoio para crescer, mas ele se esforçou para progredir na carreira. (Foto: Rildo Costa)

É uma conta que não fecha.

Por um lado, empresários procurando por mão de obra para ocupar as vagas que parecem estar sempre abertas nas empresas.

Por outro lado, os jovens, que tentam entrar no mercado de trabalho e reclamam que não encontram oportunidades.

Essas são as duas realidades paralelas que estão acontecendo em Cerejeiras.

O mercado de trabalho no município está ativo. No dia em que esta reportagem está sendo escrita, na sexta-feira, 30, existem oito vagas abertas no ACIC Emprega, o serviço da Associação Empresarial de Cerejeiras (ACIC) que une mão de obra e empregador no município. Das vagas abertas, existem vagas para auxiliar administrativo, balconista, borracheiro, mecânico, vendedor e doméstica.

Segundo a secretária-executiva da associação, Tânia Brutti, a média de vagas abertas somente pelo ACIC Emprega é de 20 vagas por mês. “Existem casos em que o empresário contrata e deixa a vaga em aberto, pois acaba precisando contratar mais um logo em seguida”, diz.

A geração de empregos não parou nem mesmo na pandemia, o período mais difícil já vivido pelas empresas locais. Em 2020, o município foi o quarto que mais contratou com carteira assinada em Rondônia.

Segundo um empresário do município, é possível que exista até 200 vagas abertas em Cerejeiras que não conseguem ser preenchidas. “São cargos que precisam de algum nível de qualificação e, por isso, não encontram candidatos”, disse o empresário, que não será identificado porque a informação foi fruto de uma conversa pessoal com o autor desta reportagem. É muito possível e até provável que essa percepção, embora não seja uma informação oficial, esteja de acordo com a realidade.

Apenas para se tenha uma ideia do que representam 200 vagas numa cidade do tamanho de Cerejeiras, considere que o poder público municipal, por exemplo, tem pouco mais de 600 funcionários. O comércio local emprega de 700 a 800 postos de trabalho. As demais empresas de serviços, o agronegócio e os trabalhadores autônomos, bem como o número total dos funcionários públicos estaduais, federais e do sistema judiciário, são setores que não foi possível encontrar dados.

 

O principal banco de empregos em Cerejeiras é o ACIC Emprega. Pelo menos 20 vagas por mês estão abertas pelo sistema.

Recentemente, um empresário rural mandou fazer um anúncio no rádio divulgando vagas de emprego em sua propriedade, em mais uma demonstração da dificuldade em contratar pessoas no município.

Como todo dilema social, este problema só pode ser resolvido pelos esforços de vários atores sociais.

Por exemplo, as instituições públicas devem investir uma boa parcela do orçamento educacional na formação profissional através dos cursos técnicos e profissionalizantes.

Atualmente, a Prefeitura de Cerejeiras mantém uma parceria com o Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural). Em breve, serão abertas vagas de cursos que têm como objetivo formar mão de obra para o campo. A Câmara Municipal também tem uma parceria com o Sebrae (Serviço Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e deverá oferecer cursos e treinamentos assim que a pandemia chegar ao fim.

Em 2020, uma iniciativa começou a ser executada em Cerejeiras para auxiliar empresários a encontrar o candidato com o perfil ideal para a vaga. O ACIC Recruta, que é uma iniciativa da ACIC em parceria com a Byte Comportamento, analisa os perfis psicológicos dos candidatos através de ferramentas de avaliação de personalidade humana. Assim, com esta análise, o ACIC Recruta indica os candidatos que se encaixariam melhor para cada tipo de cargo. Essas análises são realizadas em avaliações em grupo, numa dinâmica que já conta como treinamento, pois o candidato aprende mais sobre si mesmo no encontro, conhecendo seus próprios pontos fracos e pontos fortes. Por exemplo, se um candidato é mais comunicativo, ele seria indicado para uma vaga de vendas. Esta solução diminui as chances de o empregador contratar uma pessoa com o perfil errado para o cargo, por assim dizer.

O ACIC Recruta foi idealizado e implementado pelo ex-presidente e atual vice-presidente da ACIC, Fernando Lima. Desde quando começou a ser iniciado, a ferramenta já fez mais de 100 indicações de candidatos para vagas de trabalho no município.

Mas os esforços de tentar preparar a mão de obra para o mercado de trabalho não podem vir somente do setor público ou das entidades especializadas em formação profissional. Os principais agentes envolvidos neste dilema, a saber, os empregadores e os trabalhadores, também devem buscar uma solução.

Pelo lado do empregador, falta um entendimento profundo da natureza do trabalho humano. É o que pensa o consultor empresarial Vinicius Paiva da Silva, da VPS – Assessoria & Consultoria, uma empresa especializada em gestão e liderança atuante na região há décadas. “As empresas não estão conseguindo apresentar uma oportunidade que atraia as pessoas para trabalhar nelas. Dizendo de modo bem brasileiro, as empresas apenas oferecem uma vaga de trabalho para ganhar algum dinheiro para o empregado ser feliz depois do expediente. Ou seja, os empresários não estão conseguindo apresentar o local de trabalho como uma plataforma de realização pessoal”, diz o consultor.

A questão, de acordo com Vinicius Paiva, é que não existe uma solução adequada dentro desta lógica. “As empresas estão num paradigma, em que muitas vezes nem o dono gosta do trabalho que faz na própria empresa. A empresa, para alguns empresários, é apenas um meio de ganhar um dinheiro e passar férias na praia uma vez por ano. Então, qualquer solução que se procure dentro deste paradigma, não será encontrada, pois a solução está fora deste paradigma”.

O consultor alerta também que, de modo geral, as empresas não estão dispostas a treinar a mão de obra que precisa. “Se a empresa não está disposta a investir no desenvolvimento pessoal e no aperfeiçoamento técnico de sua força de trabalho, então eu pergunto: de onde essa mão de obra já virá treinada, sendo que nenhuma empresa está disposta a oferecer este treinamento?”.

Por fim, o consultor faz uma última observação. “E para agravar tudo isso, temos um caos educacional no Brasil. O sistema educacional brasileiro não treina as pessoas para resolver nem uma regra de três. Tudo que precisa de uma regra de três para ser feito neste país vai travar ali”, diz Vinicius. E explica: “A regra de três é uma analogia para o conhecimento técnico”.

Se por um lado os empresários estão com essas deficiências, por outro lado os trabalhadores também estão com outras carências.

Ainda citando o consultor Vinicius Paiva, as poucas empresas que conseguem propor um sonho nobre para os jovens, por exemplo, não conseguem atingir a juventude.

“Muitos jovens não querem também um sonho nobre, uma causa para lutar. Eles querem apenas um emprego qualquer para ganhar uns trocados e se divertir depois do expediente. Ou seja, mesmo que encontrem empresas boas para trabalhar, eles não conseguem enxergar nelas a oportunidade de se realizar como ser humano”.

A coach e terapeuta holística Marcia Alves, do Instituto Marcia Alves, em Cerejeiras, também vai mais ou menos por este caminho.

Segundo ela, é o próprio jovem, por exemplo, que precisa buscar sua própria qualificação profissional para aproveitar as oportunidades. “O jovem que tem interesse em entrar e permanecer no mercado de trabalho precisa buscar qualificação. Precisa investir e desenvolver postura profissional, pois isso faz toda a diferença”, diz a coach, que desenvolve um trabalho de orientação vocacional e qualificação profissional em Cerejeiras.

Ainda de acordo com Marcia Alves, existem vagas abertas há meses no município que não conseguem ser preenchidas. E alerta para um problema. “Ainda existe um costume em Cerejeiras de se contratar por meio de indicação. Mas esta cultura está acabando aos poucos, pois as empresas estão percebendo que precisam contratar profissionais qualificados e não, necessariamente, alguém que foi indicado. E isso é mais um motivo para o jovem procurar a qualificação profissional”.
 

Os especialistas afirmam que pelo menos duas características formam um perfil ideal de candidato: os chamados “soft skills” e os “hard skills”. Em outras palavras, as qualidades humanas, como a motivação, ética, persistência, afinco, honestidade, resiliência, e as qualidades técnicas, como habilidade de executar certas tarefas, com ou sem o auxílio da tecnologia, como saber escrever um texto, fazer um cálculo, tabular uma planilha no Excel. De forma reduzida, os empregadores procuram pelo candidato que “quer fazer” (soft skills) e que “sabe fazer” (hard skills).

O contador Willian Jhon Pereira Luchtenberg, de 30 anos, é um exemplo que pode inspirar quem procura por um emprego. É um exemplo também para o empregador, que busca efetivar um bom talento na empresa.

Willian Jhon entrou para o Escritório Contábil Líder, onde trabalha há 12 anos, com 18 anos de idade. Entrou como office-boy. Com as novas oportunidades, foi crescendo dentro da empresa. Atualmente, Willian Jhon é contador e gestor do Departamento Contábil da empresa.

Na vida pessoal, o jovem contador também evoluiu por conta do sucesso no trabalho. Adquiriu um terreno, construiu uma casa e comprou uma moto. Enfim, é uma pessoa financeiramente autônoma. Além de ser formado em Contabilidade, agora cursa Direito.

A trajetória de Willian Jhon demostra dois aspectos que devem servir como lição.

O primeiro aspecto é o lado da empresa. “O Escritório Líder me deu oportunidade de crescer. A empresa tem uma política de apoio aos funcionários para progredir na carreira lá dentro”, explica o contador. Ou seja, as empresas precisam oferecer oportunidades para os empregados crescerem e buscar a realização dos seus sonhos.

Já o outro aspecto é o lado do próprio trabalhador. “A empresa me deu oportunidade, é verdade, mas eu fiz tudo o que pude para aproveitá-la e para merecê-la. Eu tenho uma cultura de meritocracia muito forte comigo. Recebi muito apoio, mas não tive padrinhos. O trabalhador também precisa apresentar resultados, ter seus méritos. A empresa não vai fazer tudo sozinha”, disse Willian Jhon. Ou seja, o empregado também precisa fazer a sua parte e não esperar que a empresa faça tudo por ele.

O dilema entre vagas abertas e gente procurando emprego continua em Cerejeiras. E tudo indica que este problema vá persistir por um bom tempo, pois as mudanças sociais ocorrem devagar, muito devagar.

No entanto, fica muito clara a lição de que todos precisam contribuir para o fim deste problema.

O sistema educacional precisa melhorar, o setor público precisa oferecer mais treinamentos, as entidades de qualificação profissional precisam atender a essas demandas já existentes por mais cursos e treinamentos.

No entanto, as empresas precisam se enxergar como campos de treinamento de mãos de obra e os trabalhadores precisam mudar sua mentalidade para aproveitar essas oportunidades de trabalho.

O desafio está lançado. Agora vamos todos fazer sua parte.
 

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