Desde julho de 2022, quando as primeiras denúncias de assédio sexual contra Marquinhos Trad vieram à tona, ao menos 15 mulheres deram relatos sobre os abusos que teriam sofrido. Apesar disso, com casos arquivados, hoje o processo a que o ex-prefeito de Campo Grande (MS) responde apura apenas relatos de 5 mulheres.
Conforme apurado pelo Jornal Midiamax, na denúncia inicial do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) constavam 7 vítimas. Então, em 16 de dezembro a juíza Eucélia Moreira Cassal, da 3ª Vara Criminal, recebeu a denúncia com apenas 5 vítimas.
Isso, porque em um dos casos o MPMS entendeu que não houve fato típico e, em outro, a vítima não representou contra Marquinhos Trad. Sendo assim, o processo agora apura 5 crimes de cunho sexual.
Também se tornou réu André Luiz dos Santos, o ‘Patrola’, por denúncias de três vítimas por crimes sexuais. Agora, é aguardado que a defesa seja notificada para então apresentar as alegações, o que deve ocorrer apenas no fim de janeiro.
Quais denúncias contra Marquinhos serão julgadas?
A denúncia inicial foi feita pelo MPMS em 8 de novembro deste ano. Na peça, assinada pelo promotor Alexandre Pinto Capiberibe Saldanha da 15ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, constavam relatos das 7 mulheres que teriam sofrido algum tipo de abuso por parte de Marquinhos Trad.
Assim, conforme a denúncia, a primeira vítima relatada tinha cargo comissionado na Prefeitura. Em dezembro de 2018, teria sido assediada ao tentar pedir uma transferência ao então prefeito de Campo Grande.
Ainda segundo a vítima, quando foi sair da sala, Marquinhos tentou dar um beijo e ela se esquivou. Com isso, ela acabou exonerada da Prefeitura, após sofrer assédio moral também por parte da chefe.
Também consta no relato conversa de WhatsApp, apontando que Marquinhos a chamava de “princesa” e assediava a servidora. Já a segunda vítima, conforme o MPMS, fazia parte de uma associação de bairro e participou de reunião no gabinete de Marquinhos naquela época.
Então, ele pediu que ela enviasse um ofício com as solicitações feitas pelo WhatsApp. Após a reunião, eles tiraram uma foto e Marquinhos teria passado a mão no cabelo da vítima, pedindo que ela enviasse a foto para ele depois.
No entanto, a vítima não encaminhou a foto e, após repassar o documento solicitado pelo então prefeito, recebeu dele a mensagem “Quero te ter, quero você”. A mensagem foi apagada em seguida.
Tempos depois, em 23 de novembro de 2019, na inauguração do posto de saúde, Marquinhos disse para a vítima que ela não respondeu à mensagem, depois de a cumprimentar com um beijo na bochecha, “de forma melada, pegajosa e libidinosa”, aponta o MPMS.
A vítima acabou deixando a associação do bairro, desmotivada após perceber o interesse sexual do ex-prefeito enquanto tentava resolver as necessidades da comunidade.
Conforme o MPMS, em 2020, a terceira vítima, passando por problemas financeiros, foi apresentada ao ex-prefeito por uma amiga, alegando que ele poderia ajudá-la. Já no gabinete da Prefeitura, Marquinhos passou a dar investidas, chamando a vítima para ir até o banheiro.
A vítima relatou que foi agarrada pelo ex-prefeito, mas se negou a manter relação sexual e percebeu que o convite até o gabinete era apenas de cunho sexual.
Já a quarta mulher citada pelo MPMS também se encontrou com Marquinhos na Prefeitura, em dezembro de 2021. Assim como as outras vítimas, ela foi em busca de uma vaga de emprego, mas acabou assediada pelo então prefeito.
Os dois mantiveram relação sexual no banheiro do gabinete e a vítima chegou a pedir que Marquinhos usasse preservativo, o que foi negado, quando ele pediu que ela “confiasse nele”. Foram quatro encontros sexuais entre a vítima e o prefeito, que sempre prometia conseguir um emprego para ela, o que nunca aconteceu.
Nos encontros, Marquinhos deu dinheiro em espécie para a vítima.
Assediou funcionária de hospital
Conforme o MPMS, em maio de 2022, servidora de um hospital em Campo Grande estava trabalhando, quando houve convocação para que os coordenadores fossem assistir à fala do então candidato ao Governo, Marquinhos Trad. A vítima foi até a sala, onde estavam outros funcionários.
Assim, Marquinhos chegou ao local com a equipe e foi falar diretamente com a vítima, dando um beijo no rosto e um abraço. A vítima aponta que ele manteve “olhar fixo e malicioso” para ela. Incomodada, ela saiu da sala, quando Marquinhos disse: “Não. Você não vai... Volta aqui! Nós vamos tirar uma foto juntos”.
Durante a foto, Marquinhos teria apertado as costas da vítima, passando as mãos até mesmo nas nádegas da mulher, que se esquivou. Depois, tentou ainda pegar o telefone da vítima, para que ela enviasse a foto e disse para ela o chamar, “pois tinha uma coisa boa para ela”.
Empreiteiro denunciado por favorecimento da prostituição
André Patrola aparece na denúncia do MPMS por ter aliciado três mulheres à prostituição ou outra forma de exploração sexual. O trecho da denúncia trata de ‘festinha’ já relatada pelo Jornal Midiamax, em que estavam ainda outras figuras públicas.
Na ocasião, Patrola chamou as vítimas para irem ao Aeroporto Santa Maria, de onde saíram para a festa em uma fazenda de Coxim, de avião. Com as vítimas estava um delegado da Polícia Civil, que também foi para a ‘festinha’.
Uma das mulheres relatou que foi coagida por Patrola, já que qualquer negativa a ele poderia resultar no desligamento das atividades junto à Prefeitura de Campo Grande, em cargo que conseguiu após manter relações com Marquinhos.
Na volta para Campo Grande, cada uma das mulheres recebeu R$ 1 mil, como uma forma de pagamento pelas relações sexuais que mantiveram na festa. O fato configura o crime de exploração sexual, pelo qual Patrola foi denunciado.
Sendo assim, Marquinhos responde por crimes de assédio sexual, importunação sexual e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual. Patrola responde, por três vezes, por este último crime.
Foram apresentadas 16 testemunhas, que devem ser ouvidas no decorrer do processo.
Deve entregar o celular e acesso ao Instagram
Conforme apurado pelo Jornal Midiamax, a juíza Eucélia Moreira Cassal, da 3ª Vara do Crime de Campo Grande, determinou também no dia 16 de dezembro a entrega dos aparelhos celulares de Marquinhos Trad. O processo tramita em sigilo. Se a entrega não for feita após citação, o ex-prefeito pode ser alvo de mandado de busca e apreensão.
Assim, conforme a peça, a decisão judicial atende pedido da Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), que solicitou busca e apreensão de eletrônicos na residência de Trad, tais como celulares e notebooks.
Ainda foi feito pedido da quebra do sigilo de dados telefônicos e telemáticos da linha utilizada pelo ex-prefeito, assim como da conta oficial de Trad na rede social Instagram. A partir do aparelho, é possível identificar, além das conversas, as localizações do ex-prefeito.
Além disso, no pedido são solicitadas informações sobre a linha telefônica e o compartilhamento de provas entre três inquéritos policiais que investigam Marquinhos Trad.
Conversas em WhatsApp podem revelar 'modus operandi'
Também conforme o pedido, uma das investigações - que têm como alvo Marquinhos Trad e o empreiteiro André Luiz dos Santos, mais conhecido como André Patrola - reuniu provas de que o investigado agiria, na maioria das vezes, mediante conversas com as vítimas via WhatsApp, bem como de sua rede social. O compartilhamento, portanto, poderia elucidar o caso.
A justificativa apontada no pedido também relata que Marquinhos Trad teria "estreita relação" com Victor Hugo Ribeiro Nogueira da Silva, investigado em um dos inquéritos que envolvem o ex-prefeito. Victor está preso preventivamente por coação e corrupção ativa de testemunha.
Ainda para a delegada, os atos de Victor Hugo poderiam guardar relação com o ex-prefeito, visto, ainda, que Victor Hugo chegou a exercer cargo em comissão na Prefeitura de Campo Grande, na época em que Marquinhos comandava o Executivo Municipal.
Prazo de 30 dias
A decisão judicial também defere o compartilhamento de provas dos inquéritos, conforme pedido da Deam. Conforme a peça, a magistrada também determina que, após vencidos o prazo para entrega dos dispositivos, seja efetuado cumprimento de mandado de busca e apreensão na residência de Trad.
Após obterem os dispositivos eletrônicos, as autoridades policiais terão prazo de 30 dias para extrair dados, tanto na rede WhatsApp como no Instagram do ex-prefeito.
Queixa-crime rejeitada
Em outra peça judicial que também corre na 3ª Vara Criminal de Campo Grande, a juíza Eucélia Moreira Cassal rejeitou queixa-crime proposta por Marquinhos Trad contra uma das vítimas ouvidas em investigação de assédio e abuso sexual, a quem o ex-prefeito acusa de ter cometido o crime de calúnia.
No pedido apresentado por Marquinhos, é afirmado que a mulher teria cometido denunciação caluniosa em seu depoimento, motivado após o Jornal Midiamax publicar trechos de investigação que implicavam o ex-candidato ao Governo de MS em supostos crimes sexuais.
Isso porque, para a defesa de Marquinhos, por mais que a denúncia tenha resultado em investigação, esta foi arquivada, o que caracterizaria a denunciação caluniosa. Apesar disso, outras 7 vítimas constam na denúncia contra o ex-prefeito.
No caso em questão, a vítima denunciou assédio sofrido em 2005. Por isso, o promotor do caso entendeu que houve prescrição do crime e arquivou, não sendo relatada comunicação falsa de crime na decisão.
Assim, a magistrada argumenta que denúncias desse tipo só podem ser ajuizadas pelo Ministério Público, conforme determina o artigo 24 do Código de Processo Penal, o que não teria sido feito.
"Por sua vez, não se pode cogitar do manejo da ação penal privada subsidiária da pública, posto que se admite apenas quando houver inércia do titular da ação penal pública, nos termos contidos no artigo 29 do Código de Processo Penal e nada foi produzido pelo querelante a demonstrar a inércia do órgão acusador. Portanto, diante da ilegitimidade da parte ativa para propor a presente demanda, rejeito a queixa-crime, com fundamento nos artigos 24 e 395, inciso II, do Código de Processo Penal", conclui a juíza, em documento também datado de 16 de dezembro de 2022.
Defesa de Marquinhos alegou armação política
Marquinhos Trad alegou, na época das denúncias, que tudo seria parte de uma 'armação política' para prejudicar a candidatura dele a governador de Mato Grosso do Sul após uma discussão por WhatsApp com o secretário de estado de Segurança, Carlos Videira.
Marquinhos Trad (PSD) admitiu que cometeu adultério com ao menos duas das denunciantes enquanto era prefeito de Campo Grande, mas nega os crimes sexuais. Já em 2018, uma denúncia envolvendo suposto assédio contra uma menor aprendiz da Prefeitura chegou ao conhecimento da polícia civil.
Na época, o caso acabou arquivado e a jovem, conforme apurou o Jornal Midiamax, ganhou um cargo sem concurso público no gabinete da Prefeitura de Campo Grande.