27/04/2021 às 16h51min - Atualizada em 27/04/2021 às 16h51min

CPI da Covid começa com Renan Calheiros na relatoria e traição de governista

BBC News Brasil

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid — que investigará ações ou omissões de autoridades na pandemia — teve início nesta terça-feira (27) com uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro. A maioria dos integrantes escolheu dois senadores independentes para comandar os trabalhos e produzir seu relatório final.

Omar Aziz (PSD-AM), senador do Amazonas, Estado cujo sistema de saúde colapsou no início do ano devido à gravidade da pandemia, foi eleito presidente. Para a vice-presidência, foi eleito Randolfe Rodrigues (Rede-AP)


Em acordo com outros integrantes, Aziz indicou o senador Renan Calheiros (MDB-AL) para ser o relator. Ambos integram partidos com as maiores bancadas no Senado.

A eleição de Aziz já era esperada, pois senadores opositores e independentes somam sete dos onze titulares da CPI. A surpresa ficou com o apoio do senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos quatro senadores aliados de Bolsonaro que integram a comissão. Com isso, Aziz recebeu oito votos e o candidato bolsonarista, senador Eduardo Girão (Podemos-CE) levou três.
 
O presidente eleito prometeu um "trabalho técnico" que buscará "a verdade".

"Essa CPI não pode servir para se vingar de absolutamente ninguém. Essa CPI tem que fazer justiça para milhares de órfãos que essa pandemia está deixando", disse Aziz.

"Ninguém de nós aqui conseguirá fazer milagre, mas podemos dar um norte ao tratamento e ter um protocolo nacional. Descobrir coisas que deixaram de ser feitas e por quem deixou de fazer, seja ele ministro, assessor, governador ou prefeito desse país", acrescentou.

Parlamentares bolsonaristas tentaram barrar a escolha de Calheiros, sob argumento de que ele seria suspeito para ocupar o cargo, já que um dos objetivos da CPI é investigar o repasse de recursos federais aos Estados, e o senador é pai do governador de Alagoas, Renan Filho.

Uma liminar chegou a ser concedida pela primeira instância da Justiça Federal de Brasília proibindo a escolha de Calheiros, a pedido da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), mas a decisão foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

À BBC News Brasil, o senador respondeu a essas críticas na semana passada afirmando que um sub-relator deve ser indicado como responsável caso haja apuração sobre repasses federais a Alagoas.

O próximo passo da CPI será a aprovação de um plano de trabalho, com diretrizes para a condução da investigação. Os senadores devem apresentar até às 12h de quarta-feira (28/04) suas sugestões a Calheiros, que consolidará o plano.
Na quinta-feira de manhã (29/04), esse planejamento será votado, assim como os primeiros requerimentos para convocação de testemunhas e pedidos de informações (por exemplo, o compartilhamento de investigações em andamento em outros órgãos, como o Ministério Público).

A expectativa é que os primeiros convocados a depor sejam os quatro ministros da Saúde de Bolsonaro: Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich, Pazuello, e o atual, Marcelo Queiroga.

Também deve ser chamado logo no início o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres.
 
A comissão tem previsão inicial de durar 90 dias, prazo que pode ser prorrogado. Além do potencial de gerar desgastes para o governo ao longo do seu funcionamento, a CPI será concluída com a produção de um relatório.

Esse documento pode sugerir a aprovação de novas leis pelo Congresso, a remessa ao Ministério Público de suas conclusões para possível responsabilização civil e criminal dos investigados, assim como servir de fundamento para novo pedido de impeachment contra o presidente.

A abertura de um processo para afastar Bolsonaro, porém, depende de decisão individual do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem se mantido aliado do Planalto.

Filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) disse que "a CPI será um grande palco importante para o governo deixar tudo às claras". Ele criticou, porém, o momento escolhido para a comissão.

"Quantas vacinas essa CPI vai aplicar no braço da população? Nenhuma. O momento é inoportuno", afirmou, nos debates que antecederam a eleição do comando da CPI.

"Lamento que alguns senadores queiram usar os caixões de quase 400 mil mortes para fazer política barata e rasteira contra o governo federal", disse ainda.

CPI começa com 'arsenal' perigoso contra Bolsonaro

Com o Brasil próximo de registrar 400 mil mortes pela covid-19, a CPI investigará a atuação do governo de Jair Bolsonaro no enfrentamento da crise do coronavírus.

Outro foco da comissão será apurar possíveis ilegalidades no uso de recursos repassados pela União para Estados e municípios atuarem contra a pandemia. A expectativa, porém, é que os trabalhos priorizem inicialmente a atuação do governo federal, e já há algumas "munições" disponíveis para serem usadas pelos senadores contra a gestão Bolsonaro.

A CPI poderá solicitar, por exemplo, ao Tribunal de Contas de União (TCU) e ao Ministério Público Federal (MPF) o compartilhamento de investigações que já apuram possível negligência do governo no abastecimento de medicamentos e insumos para a rede pública, assim como a demora em reagir à falta de oxigênio ocorrida em janeiro no Amazonas.
 
Além de solicitar documentos (inclusive sigilosos) a outros órgãos, a comissão também pode requerer quebras de sigilos fiscal, bancário e de dados, assim como convocar pessoas para depor. Já entrou na lista de prováveis convocados o ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro, Fábio Wajngarten, que na última semana fez duras críticas ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, em entrevista à revista Veja.

Ele culpou o general pela decisão do governo de não adquirir 70 milhões de vacinas oferecidas pela Pfizer no ano passado — a responsabilidade do governo na demora para imunizar a população é um dos principais tópicos que a CPI pretende esclarecer.

Todos os requerimentos propostos na comissão terão que ser fundamentados e receber o aval da maioria dos integrantes para irem adiante. O governo, porém, conta com minoria na CPI, o que torna provável que pedidos perigosos para o presidente sejam aprovados.

Dos onze integrantes titulares da comissão, quatro são aliados do Palácio do Planalto: Ciro Nogueira (PP-PI), Marcos Rogério (DEM-RO), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE).

Cinco senadores são considerados independentes, mas têm uma postura crítica sobre a condução do enfrentamento da pandemia pelo governo: além de Renan Calheiros (MDB-AL) e Omar Aziz (PSD-AM), estão nesse grupo Eduardo Braga (MDB-AM), Otto Alencar (PSD-BA), e Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Os últimos dois são abertamente de oposição a Bolsonaro: Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
 
Testemunhas convocadas são obrigadas a comparecer


Pessoas convocadas por CPI na condição de testemunha são obrigadas a comparecer e dizer a verdade. Segundo o Código Penal, mentir é considerado crime, com pena prevista de dois a quatro anos de reclusão, além de multa.

Testemunhas, porém, têm direito a não responder a perguntas que possam comprometê-las diretamente. Isso segue o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Por esse mesmo motivo, pessoas convocadas como investigados podem escolher ficar calados ou nem comparecer.

O senador Randolfe Rodrigues já disse que pedirá a convocação de Wajngarten, e defendeu também que seja feita depois uma acareação entre ele e Pazuello. Isso significaria chamar os dois ao mesmo tempo para confrontar suas versões.
Há também a possibilidade de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, seja chamado.

"Alguns membros (da CPI) agora estão argumentando que o ministro Paulo Guedes era contra o auxílio emergencial. E colocando que Orçamento deste ano não tem dinheiro para covid, só para vacinas. Então, tendo um fato determinante para chamar o ministro Paulo Guedes ou o general, com certeza serão chamados", disse à BBC News Brasil o senador Omar Aziz, em entrevista na semana passada.
 
Fonte: BBC News Brasil.
 
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