08/12/2024 às 21h02min - Atualizada em 08/12/2024 às 21h02min

Rondônia tem apenas 2 veículos de comunicação com cobertura específica sobre a Amazônia

Estado reúne diferentes problemas socioambientais, como desmatamento, queimadas e mineração ilegal, mas cobertura tradicional não está focada nisso

Gazeta Rondônia

Imagem: Cacique Iracadju Ka’Apor e família no filme Roça Kupixau’a: ancestralidade e inovação Ka’apor.
Rondônia, situado no Norte do Brasil, tornou-se um estado há pouco mais de 40 anos e abriga uma população autodeclarada quilombola de cerca de 3 mil pessoas, além de ser o quarto estado brasileiro com maior número de povos indígenas segundo dados Instituto Socioambiental (ISA). A ocupação irregular do território, incentivada pelo governo militar a partir da década de 1960, trouxe impactos ambientais significativos devido ao desmatamento realizado para abertura de novas áreas para a pecuária. 
 
De acordo com dados do Ministério da Agricultura, o estado tem a segunda maior produção agropecuária da região Norte. Isso é um dos fatores que impulsionam o desmatamento na região e, por isso, apenas no primeiro semestre deste ano, as queimadas aumentaram em 28% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com o monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).


Além das queimadas e do desmatamento, o estado enfrenta outros problemas ambientais, como o garimpo com uso de mercúrio e a grilagem de terras públicas. Apesar disso, o Mapa Vivo de Mídias da Amazônia aponta que apenas 44 veículos de comunicação do estado possuem editorias de meio ambiente, e só dois contam com a editoria Amazônia, concentrando-se principalmente na capital, Porto Velho. 
 
No atual cenário midiático, o jornalismo independente se destaca como resposta à mídia hegemônica, com diretrizes alinhadas com causas sociais, ambientais e de direitos humanos. Sustentados por editais de financiamento, doações e colaborações, esses veículos incluem rádios comunitárias, blogs e sites que priorizam a pluralidade de vozes e pautas ignoradas pela grande mídia, oferecendo uma comunicação mais diversa. 
 
Blogger Luciana Oliveira: uma voz de resistência na Amazônia 

Luciana Oliveira é uma jornalista independente e ativista ambiental que iniciou sua trajetória com um blog durante a crise política de 2016. Conhecida por seu posicionamento progressista, ela conta que enfrenta, no dia a dia, ameaças, boicotes de mídias rondonienses e comentários machistas enquanto defende pautas como direitos das mulheres, reforma agrária e proteção ambiental. Seu trabalho ganhou destaque especialmente durante o governo de Jair Bolsonaro, período em que intensificou sua atuação no jornalismo ambiental e cultural, focando nos direitos dos povos tradicionais. 

 
“O machismo naturalmente sempre foi minha sombra. “Louca” era o adjetivo mais usado. Depois de muitos comentários misóginos, vieram ameaças veladas e abertas ao meu trabalho. Fiz algumas reportagens que tiveram muita repercussão e tiveram que me aceitar. Mas até chegar a esse ponto, foram anos de medo e solidão, com apenas um celular na mão”, conta a jornalista. 

Além das próprias reportagens, Luciana incentiva a comunicação independente no estado e passou a promover oficinas para jovens de comunidades tradicionais atravessadas por crimes ambientais.
 
“Passei a formar jovens de comunidades tradicionais com dicas básicas para filmar com um celular, com segurança e de modo que imagens sirvam como provas judiciais de crimes ambientais. Esse é o futuro: investir em brigadas de comunicação nos territórios”.

O pioneirismo digital do Rondônia ao Vivo

Fundado por quatro estudantes de comunicação, o Rondônia ao Vivo nasceu em 2005, inspirado pelo webjornalismo até então pouco explorado no Brasil. Desde o início, a ideia criada por universitários enfrentou desafios financeiros.

O veículo aposta em um modelo que combina reportagens investigativas e denúncias com um jornalismo de serviço voltado à comunidade e, rapidamente, conquistou uma audiência fiel e se tornou uma referência no estado.

Ao longo de quase duas décadas, o jornal evoluiu para cobrir uma diversidade de editorias. Apesar de não contar com uma editoria ambiental, o site aborda temas como desmatamento, conflitos em terras indígenas e queimadas. 

 
“Eu acredito que os gestores são o problema do meio ambiente em Rondônia. Eles estão a favor do agro enquanto criam reservas florestais. Eu, sinceramente, não compreendo”, afirma Paulo Andreoli, jornalista cofundador do veículo. O site conta com uma editoria focada em agronegócio. 

Para descentralizar a cobertura, o Rondônia ao Vivo fez parcerias com jornalistas locais, promovendo uma troca constante de informações. Essa rede de colaboração fortaleceu o jornalismo regional e ampliou o alcance das reportagens: “faz a diferença não desistir”, afirma Andreoli. No entanto, a pressão financeira, agravada pelo assédio judicial enfrentado por veículos independentes, é uma realidade difícil de contornar

Apesar de processos e ataques, Painel Político resiste com jornalismo investigativo

Painel Político começou em 2009 como uma coluna de opinião no Rondônia ao Vivo e evoluiu para um veículo independente focado em política, economia e investigações sobre corrupção e crimes ambientais, incluindo programas de entrevistas e uma revista quinzenal que, posteriormente, migrou para o ambiente digita. Em 2019, o site adotou um formato de noticiário e, recentemente, migrou para o Substack com sistema de assinaturas. 

O trabalho com política levou o veículo a enfrentar não apenas desafios financeiros, como outros veículos da região, mas também jurídicos: são mais de 220 processos relacionados às denúncias publicadas pelo Painel, mesmo que boa parte deles já esteja arquivada ou vencida.

Apesar da pressão, a linha editorial do Painel Político mantém seu foco em questões políticas, regionais e nacionais, com ênfase na investigação de atos de corrupção e em análises do cenário econômico e do sistema judiciário. O editor Alan Alex Carvalho destaca o compromisso do veículo com o jornalismo investigativo e a relevância de pautas ignoradas pela grande mídia.
 
“Sempre trabalhamos com pautas ambientais, principalmente em relação a denúncia de crimes, o que nos rendeu processos e ameaças ao longo do tempo. A mídia independente é quem realmente faz jornalismo investigativo, mas o maior problema ainda é a falta de apoio por parte da mídia tradicional, que, por conta de interesses próprios, ignora pautas e denúncias importantes”. Alan Alex.
 
A Voz da Terra: o jornalismo que ecoa a Amazônia
 
O casal de jornalistas Josi Gonçalves e Francisco Costa conta que o site A Voz da Terra surgiu para preencher uma lacuna no cenário informativo da Amazônia, onde as questões ambientais, sociais e de direitos humanos enfrentam, frequentemente, o silêncio das grandes mídias. Eles dizem que o veículo nasceu em meio a desafios estruturais e de segurança, mas com a missão de produzir pautas invisibilizadas.

 
“O projeto surgiu da necessidade de debater com a sociedade as questões da Amazônia, já que existe em nossa região um deserto de notícias, muita desinformação e negacionismo climático. O jornalismo que praticamos é a nossa forma de gritar ao mundo o que acontece nos territórios amazônicos”, afirma Gonçalves.
 
O veículo tem o propósito de valorizar as vozes das comunidades locais e trazer à tona histórias frequentemente ignoradas.

 
"Rondônia é um lugar de muitas pautas socioambientais e diversas histórias. Cobrimos a recente seca dos rios, a poluição da fumaça das queimadas, a morte de lideranças rurais e indígenas, casos que estão mofando nas gavetas do judiciário. Ousamos de verdade, mesmo sem muito incentivo e apoio”, afirma Costa.
 
A abordagem do veículo busca não apenas informar, mas também mobilizar a sociedade para a urgência das pautas amazônicas. Mesmo com os desafios, A Voz da Terra tem gerado impacto ao sensibilizar novas audiências e influenciar discussões públicas sobre preservação ambiental e justiça climática. 

 
“Queremos deixar um legado que mostre que é urgente falar sobre justiça climática e mudanças globais. É uma emergência planetária”, completa Gonçalves.

Fonte: Cecília Alves Amorim/Via InfoAmazonia.
 


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