Marinha expulsa primeiro militar condenado por participação no de 8 de Janeiro

Gazeta Rondônia
04/06/2025 23h47 - Atualizado há 1 dia

A Marinha do Brasil formalizou a expulsão do suboficial da reserva Marco Antônio Braga Caldas, de 51 anos, condenado a 14 anos de prisão por sua participação nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, que culminaram na invasão das sedes dos Três Poderes em Brasília. A decisão, tomada pelo Conselho de Disciplina da Marinha, marca a primeira exclusão de um militar das Forças Armadas em decorrência desses eventos, sinalizando um marco na responsabilização de membros das forças militares envolvidos em ações contra o Estado Democrático de Direito.

Contexto da expulsão

Marco Antônio Braga Caldas, que atuava como mergulhador da Marinha e estava na reserva desde 2021, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em março de 2024 pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa armada. A sentença, proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, também incluiu a obrigação de pagamento de uma indenização coletiva de R$ 30 milhões, a ser dividida entre os condenados pelos danos causados durante os ataques.

A expulsão foi decidida pelo Conselho de Disciplina, um colegiado interno da Marinha criado para avaliar a conduta de militares em situações de infrações disciplinares ou condenações judiciais com penas superiores a dois anos.

Após um processo que durou cerca de 50 dias, o conselho concluiu que a permanência de Caldas nos quadros da Marinha era incompatível com os princípios de hierarquia e disciplina, fundamentais para a instituição. A Marinha informou, em nota oficial, que a exclusão ocorreu "a bem da disciplina do militar da situação de inatividade". A decisão ainda será formalizada por despacho do comandante da Marinha, mas já tem efeito prático, com Caldas sendo considerado um "morto fictício" — termo usado pelas Forças Armadas para designar militares expulsos, cuja aposentadoria é transferida à família.

Participação nos atos de 8 de janeiro

Caldas, residente em Balneário Piçarras, Santa Catarina, chegou a Brasília na manhã de 8 de janeiro de 2023 em uma excursão gratuita, cuja origem do financiamento ele afirmou desconhecer. Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), o suboficial integrou um grupo de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que marchou do Quartel-General do Exército até a Esplanada dos Ministérios, participando ativamente dos atos que culminaram na invasão do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e STF. Fotos e vídeos apreendidos em seu celular pela Polícia Federal mostram Caldas no térreo e no segundo andar do Palácio do Planalto, onde foi preso durante a invasão.

Em audiência no STF, Caldas negou envolvimento direto na depredação, alegando que entrou no palácio para proteger um policial militar que estava sendo agredido por manifestantes. Ele também afirmou que sua intenção era protestar contra a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), citando as condenações judiciais anteriores de Lula por corrupção, posteriormente anuladas. No entanto, mensagens e gravações encontradas em seu celular, incluindo uma em que ele declara "dizer definitivamente não ao comunismo" e exigir a "nulidade da chapa Lula e Alckmin" e uma "intervenção federal", reforçaram a acusação de participação ativa nos atos golpistas.

Caldas permaneceu preso preventivamente de janeiro a agosto de 2023, sendo libertado por decisão de Moraes, que considerou que as provas já haviam sido coletadas e que sua liberdade não representava risco às investigações. Desde junho de 2024, ele cumpre pena na Escola de Aprendizes de Marinheiros, em Florianópolis, mas, com a expulsão, perderá o direito à prisão especial em unidade militar e poderá ser transferido para uma unidade prisional comum no Rio de Janeiro, considerada mais adequada para militares condenados.

Repercussões e outros militares envolvidos

A expulsão de Caldas é vista como um precedente importante para outros militares que enfrentam acusações semelhantes. No final de março de 2025, o STF aceitou denúncias da PGR contra outros cinco militares, incluindo figuras de alto escalão, como o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército, e o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, além dos generais da reserva Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e Casa Civil) e Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional). O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, também está entre os denunciados, mas firmou um acordo de delação premiada que tem auxiliado nas investigações.

A decisão da Marinha reflete uma resposta às pressões de organizações da sociedade civil, parlamentares e entidades em defesa da democracia, que cobram uma postura mais firme das Forças Armadas diante da participação de seus membros, ativos ou da reserva, nos atos de 8 de janeiro. A presença de militares em eventos golpistas, especialmente durante o governo Bolsonaro, quando houve uma aproximação entre setores das Forças Armadas e pautas extremistas, tem sido um ponto central nas investigações.

Além de Caldas, outros militares enfrentam processos disciplinares ou judiciais. Por exemplo, o coronel Adriano Camargo Testoni foi condenado pela Justiça Militar a um mês e 18 dias de prisão em regime aberto por ofensas ao Alto Comando das Forças Armadas, mas, por sua pena ser inferior a dois anos, não foi expulso. Já oficiais de alta patente, como Braga Netto, foram presos preventivamente por tentativas de obstruir as investigações, indicando que o STF e a PGR estão ampliando o cerco aos envolvidos na trama golpista.

Impacto simbólico e desafios institucionais

A expulsão de Caldas tem um peso simbólico significativo, especialmente em um contexto de debate sobre o papel das Forças Armadas na democracia brasileira. Durante o governo Bolsonaro, a aproximação de militares com pautas políticas extremistas gerou críticas e preocupações sobre a politização das instituições militares. A decisão da Marinha, portanto, é interpretada como um passo em direção à reafirmação da disciplina e da neutralidade exigidas dos militares, além de um sinal de comprometimento com a defesa das instituições democráticas.

No entanto, desafios permanecem. A Advocacia-Geral da União (AGU) move ações para cobrar dos condenados o ressarcimento pelos danos causados ao patrimônio público durante os atos de 8 de janeiro, e a PGR continua investigando outros militares e civis envolvidos. A existência de pensões garantidas às famílias de militares expulsos, como no caso de Caldas, também levanta discussões sobre a legislação militar e a chamada "morte fictícia", que assegura benefícios mesmo em casos de condenações graves.

A expulsão de Marco Antônio Braga Caldas marca um momento de inflexão na responsabilização de militares envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. A decisão da Marinha, respaldada pela condenação do STF, reforça a importância de preservar a disciplina militar e proteger a democracia brasileira. Enquanto outros casos seguem em julgamento, a exclusão de Caldas pode abrir precedente para novas expulsões, consolidando esforços para coibir ações antidemocráticas dentro das Forças Armadas.

Fonte: Painel Político.


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