COLUNA PAPO CRISTÃO: A mídia mostrou recentemente a história de um “famoso” que, em muitos casos como o meu e de tantas outras pessoas, só se soube ser famoso após sua mulher denunciá-lo por diversas agressões, tanto psicológicas quanto físicas, que vinha sofrendo ao longo do relacionamento. A forma como o agressor tentou se defender taxando-a de louca e o comportamento de um grande número de homens e mulheres diante da situação, alguns optando pelo silêncio e outros até duvidando da vítima é assustador, o que, de certa forma reflete no grande número de mulheres que estão, a todo instante, sendo agredidas e, muitas vezes, até mortas por seus companheiros, o que nos leva a crer que este problema está muito longe de acabar. São milhares de mulheres espalhadas pelo Brasil e pelo mundo que não têm voz, e diante de tal sofrimento, apesar de ser testemunhado por outras pessoas próximas que deveriam dar voz a essas vítimas, optam em se calar, “não se meter”.
Vocês devem estar se perguntando sobre o que isso tem a ver com o titulo proposto? A reflexão parte de uma experiência pessoal relatada a seguir:
Certa vez, participando de um evento com o tema “violência contra a mulher”, ouvi uma autoridade dizer que a culpa de boa parte desse tipo de violência vem de ensinamentos das igrejas evangélicas por meio dos seus pastores, os quais pregam que nós mulheres devemos ser submissas aos nossos maridos e que no meio cristão, quando acontece algum caso como esse, a mulher é aconselhada a não denunciar o agressor e apenas orar para que ele mude.
Tal afirmação fez com que eu, inicialmente, me indignasse, já que a mim, como mulher cristã evangélica, nunca foi ensinado desta forma, e me questionei sobre os motivos pelos quais estavam sendo feitas tais afirmações. Pasmem! Quem procura acha e, pesquisando, pude constatar que, embora a autoridade anteriormente citada tenha generalizado ao dizer “as igrejas evangélicas, os pastores”, infelizmente a violência contra a mulher também acontece neste meio e muitas vezes é abafada para não “escandalizar a igreja”.
Alguns “religiosos” podem estar se perguntando, você é contra a submissão, então? Está contra a Bíblia?
Como seguidora de Cristo, eu não tenho e não devo ter opinião própria e sim procurar seguir o que o meu Mestre ensinou. No entanto, a Palavra de Deus diz que devemos ser submissas aos nossos maridos, mas de que tipo de submissão a Bíblia está falando e de que forma ela está sendo praticada ou induzida em alguns lares?
Algumas vezes, se pararmos para observar o relacionamento conjugal no contexto religioso, as interpretações, às vezes dadas por aqueles que não conhecem a Palavra e ou que julgam conhecê-la, colocam a mulher numa situação de vulnerabilidade frente à violência. Um pano de fundo usado nesse caso é o conceito distorcido de submissão daqueles que usam esse discurso, os quais não se deve chamar de cristãos e sim de religiosos, o que são coisas totalmente distintas. O que Cristo nos ensinou sobre este assunto?
Vamos começar separando a palavra temos: sub|missão, ou seja, cada um tem uma missão dentro do casamento, sendo a da mulher o papel de auxiliadora do marido. Na língua hebraica, no entanto, a palavra auxiliadora não subentende necessariamente subordinação. Podemos constatar, no Antigo Testamento, essa palavra sendo usada algumas vezes para designar o próprio Deus como o nosso auxiliador e libertador como no Salmo 70:5, por exemplo. Muitos religiosos se baseiam no texto de Gênesis 3:16-19 para argumentarem sobre o domínio do homem sobre a mulher. O texto relata um contexto de maldição após a queda do homem. Mas então não deveriam ser levadas ao pé da letra todas as maldições ali descritas? Infelizmente, convém a muitos pegar apenas o verso 16 quando Deus diz a Eva, “…o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará”. “ Aceitar esta maldição como se os maridos tivessem o direito de impor suas vontades sobre suas esposas tem contribuído para o contínuo abuso e incompreensão” (Mart DeHaan)
Podemos perceber que a mesma palavra submissão, usada como forma de opressão por parte de alguns maridos, também é usada num contexto militar quando quer deixar claro que determinado soldado está sob o comando de um líder. A diferença é que o casamento não pode ser visto como um relacionamento militar. Fora do contexto militar podemos encontrar outras definições para este termo: cooperar, ceder voluntariamente, aceitar responsabilidades, entre outros.
A Bíblia diz que a mulher deve ser submissa ao marido e que o homem é, ou deve ser, o cabeça na relação. E também nos mostra, o tempo todo, à luz da nova aliança, qual é o padrão de Jesus. Um exemplo claro disso é quando Jesus diz “…o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve” (Lucas 22:25-27). Essa é a relação que Cristo deseja ter com sua Igreja. Isso deve ser aplicado em todo tipo de relacionamento, inclusive no casamento, tanto da mulher para o marido quanto vice e versa.
Tudo o que Cristo faz visa o bem de sua Igreja e a submissão deveria ser vista dessa forma pelos casais. Este é o padrão de Cristo quando a Palavra diz: “ Vós maridos, amai vossas mulheres como também Cristo Amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela. ”
Portanto, não resta dúvida de que a missão do marido é cuidar da sua esposa como Cristo cuida da própria Igreja, a ponto de dar a vida por ela, se preciso for.
A analogia feita por Paulo, ao comparar o papel de cada um no casamento, colocando o marido como o cabeça (governo), serve para lembrar que nada tem a ver com o que muitas vezes se aplica nos relacionamentos pois ele também cita que devemos ser uma só carne, e ainda recomenda: “O homem deve amar sua esposa como ama seu próprio corpo” (Efésios 5.28). Alguém gozando de plena saúde mental faz mal à sua própria carne? Traindo, humilhando, coagindo, desrespeitando, magoando, ferindo? Certamente que não.
Quando Paulo cita no verso 23 “ Pois o marido tem autoridade sobre a esposa, como Cristo tem autoridade sobre a Igreja e que o próprio Cristo é o salvador da Igreja, ou seja, “o corpo”, nota-se mais uma vez que é enfatizado muito a primeira parte deste versículo por muitos “religiosos”, esquecem de frisar que o padrão estabelecido por Paulo foi de lembrar o de Jesus na forma de se relacionar com a igreja, ou seja, Jesus Amou a Igreja como seu próprio corpo.
Sabe-se que ainda existem aqueles que usam muitos outros versículos descontextualizados para pregar e ensinar sobre este assunto. São enfáticos ao citarem Efésios 5.22 (ou Efésios 5.24) que fala sobre a mulher dever sujeitar-se ao marido. Sim, só que se esquecem de explicar que Deus deixou o homem como sendo o cabeça dentro casamento, justamente no papel de protetor, aquele que ama e zela e dá a vida por ela se preciso for. Qual mulher não deseja ter um marido assim e que não teria alegria em ser sua auxiliadora? Creio que, ao menos, todas as discípulas de Cristo desejam este perfil de esposo. Eu mesma amo auxiliar o meu esposo em todos os projetos, tanto pessoais como os da igreja, e também me sinto segura ao saber que posso confiar nele, pois, como cabeça do lar, ele procura agir conforme seu Mestre ensinou.
É preciso entender que o papel de cabeça da família dado ao homem traz, ou deveria trazer, mais responsabilidade do que prestígio. A maior responsabilidade é a de expressar o caráter de Cristo no seu casamento.
O nosso maior exemplo deve ser sempre Jesus, e a Bíblia nos mostra ele se relacionando com as mulheres de uma forma ousada para o contexto social da época, rompendo com o machismo e patriarcalismo, possibilitando que as mulheres o seguissem como discípulas. Jesus ainda foi além disso. Sua relação de respeito e cuidado com as mulheres pode ser visto em vários exemplos, até o que era considerado muito ousado para a sua época aceitou que seu ministério fosse também financiado por mulheres como o caso de Joana, esposa de Cuza (Lucas 8.1-3).
Portanto, a nossa luta por respeito e dignidade é também a luta de Jesus. É nele que homens e mulheres devem se inspirar. O Apóstolo Paulo diz que Deus nos chamou para a Paz. É impossível haver paz onde há violência.
Desse modo, se você está passando ou presenciando algum tipo de violência contra a mulher, denuncie! Se você porventura for cristã e passar por uma situação dessas e já pediu ajuda aos seus líderes e pastores e te pediram para orar dizendo, por exemplo, que denunciar seria uma desonra para com o seu marido e a igreja, ore sim, mas ore pedindo sabedoria e coragem a Deus para denunciar o agressor, pois homem que bate em mulher é caso para a polícia resolver e não para o pastor. E para não restar dúvida, Cristo deixa claro que o maior de todos os mandamentos é o amor (Marcos 29.31).
Para encerrar deixo esta frase sempre atual de Martin Luther King-pastor e ativista político: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”
A Autora da Coluna Papo Cristão, Maria de Jesus Gaviraghi é moradora de Cerejeiras (RO), Cristã, esposa, mãe e pedagoga - Contatos: e-mail:[email protected] - Facebook e Instagram
As pesquisas citadas foram realizadas de forma empírica, por meio de observações, nas relações com o meio e relatos informais obtidos. Considerou-se também uma pesquisa realizada pela teóloga Valéria Vilhena no curso de doutorado na Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, constatou que 40% das mulheres vítimas de agressões físicas e verbais de seus companheiros se declaram evangélicas.
Religioso: “Pessoa que segue uma religião”.
Cristão: É o nome dado às pessoas que seguem os ensinamentos e doutrinas do cristianismo, deixados por Jesus Cristo.
Figura ilustrativa: imagem retirada da internet sem autoria identificada.