Passado um ano e meio do que eu acredito ter sido uma pequena contribuição à discussão sobre a violência contra a mulher nesta coluna e vejo que as coisas parecem ter mudado em termos estatísticos, de convivência e de enraizamento do machismo, do preconceito e da vontade de causar dano à vida de mulheres.
Mudou. E para pior.
O que me fez voltar ao tema foi uma percepção nítida e límpida de como as agressões cresceram muito entre janeiro de 2020 até agora. Mas muito. Não trago nenhum número aqui que eu possa colocar em destaque vindo de pesquisas sérias como as do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, por exemplo, pois é mais do que sabida a subnotificação de casos à Polícia e, no efeito cascata, à Justiça. E quem vem dando conta em parte desse enorme contingente de mulheres que sobreviveram às tentativas de assassinato, notificadas ou não num primeiro e urgente acolhimento, são entidades não governamentais.
Basta ficarmos no noticiário, principalmente da TV. Casos de mulheres mortas ou mutiladas e desfiguradas por golpes de armas brancas, ou ainda alvejadas com produtos como ácidos por imbecis do sexo masculino, saltam sem que precisemos recorrer aos gráficos. Quando junta o desprezo pelo direito à autodeterminação da vida alheia com machismo, sensação de poder ou de posse da pessoa (no caso ‘essa mulher é minha e não será de mais ninguém’, ou ‘essa mulher trabalha para mim e não tem que ficar arranjando desculpas para não fazer o que eu mando ela fazer’) e outras patologias sociais e pessoais, a mulher corre um enorme risco de morte por, simplesmente, ser quem é.
Em muitos dos relatos, medidas protetivas ajuizadas pela Justiça não protegem o objeto para o qual foram criados. São importantes ferramentas, sem dúvidas, mas insuficientes quando perseguidores contumazes (stalkers), predadores ou maníacos sexuais estão na área, aterrorizando livremente ou por meio de ‘enviados especiais’. Quantas foram aniquiladas sozinhas, à distância ou até na frente dos filhos, por homens desprovidos de qualquer traço racional, de civilidade, de amor e até mesmo de temor perante a justiça dos homens ou a outras formas?
A maioria esmagadora destes agressores não está catalogada naquele perfil dos que ‘perderam a cabeça’. São efetivamente doentes morais ou mentais e o problema é bem maior do que ‘apenas’ se configura como danos físicos. Temos visto cada vez mais estelionatários que agem em cima de mulheres com seduções amorosas que resultam em contas correntes e aplicações financeiras esvaziadas. Isso também é uma violência contra elas. O abuso, silencioso em sua operacionalidade, se dá pela via emocional, bem como o assédio moral no campo profissional, imposto pelo homem a uma subordinada, no caso.
Há os que se revelaram extremamente violentos durante ou no fim de um relacionamento afetivo ou profissional. Dentre milhares de casos cito o da Aline Guimarães, que carrega no corpo 78 cicatrizes de facadas proferidas em julho de 2019 por um então ex-namorado que, hoje condenado, cumpre pena no interior de São Paulo.” Eles não aceitam ser contrariados”, resume a consultora de vendas, cuja narrativa engloba detalhes, sutilezas, episódios doloridos, minúcias e lembranças de um relacionamento abusivo de um lado e, de outro, indignação, recuperação, algum natural empoderamento misturado ao medo de novos relacionamentos e empatia (no choro e na dor) com outras mulheres vítimas destes criminosos e infames homens, além das próprias dores físicas e psicológicas que ainda carecem de um tempo maior para acomodação, se é que se extinguirão por completo.
Tiro, facada, soco, tapa, xingamento, queimadura, empurrão, estupro, furto, assédio, perseguição, mutilação, misoginia e a certeza de que nada justifica que nenhum destes substantivos se transforme em verbo de ação na vida de qualquer mulher, em nenhum lugar do mundo. Fonte R7