07/01/2022 às 12h45min - Atualizada em 07/01/2022 às 12h45min

PF aponta que governador seria principal beneficiário de suposto esquema de corrupção

Gazeta Rondônia

 

A investigação da Polícia Federal, que desencadeou a Operação Ptolomeu em dezembro do ano passado, mostra que o governador do Acre, Gladson Cameli, seria o principal beneficiário de um suposto esquema de corrupção no alto escalão da gestão. A PF lista episódios de superfaturamento, propina, empresas fantasmas e movimentações bancárias com altos valores.

No inquérito detalhado, a PF aponta que o esquema era dividido em núcleos compostos pelo próprio governador Gladson Cameli (Progressistas), a primeira-dama do Estado, Ana Paula Cameli, servidores públicos que ocupavam cargos de confiança no governo e empreiteiras da família Cameli, que atuam no Acre e também em Manaus.

Também é possível ver que Rudilei de Souza, mais conhecido como Rudilei Estrela, que tem relações próximas com o governador, seria o grande articulador das movimentações suspeitas.

O inquérito foi aberto pela Polícia Federal em julho do ano passado baseado em outras operações da polícia, que, segundo o relatório, mostravam a ligação do governador em algumas movimentações. O Relatório de Inteligência Financeira (RIF) teria apontado, a princípio, 35 comunicações de operações financeiras suspeitas e, destas, 20 possuíam Gladson Cameli como titular ou envolvido.

Entre essas movimentações estão a compra de cinco carros de luxo, entre eles uma BMW X4; três lotes em um condomínio fechado e considerado de luxo em Rio Branco e também uma tentativa de comprar um apartamento no valor de mais de R$ 5 milhões. Segundo as investigações, foram esses principais movimentos financeiros informados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que chamaram a atenção da polícia.

"Em breve resumo do atual estágio investigativo, o governador do Estado do Acre é apontado pela Polícia Federal como suposto integrante de organização criminosa atuante nas esferas da saúde e obras públicas, em sistemática de recebimento de vantagens indevidas para o direcionamento de certames públicos, formalização de contratos superfaturados e atesto fictício de recebimento de mercadorias e serviços."

 

Em nota assinada pela defesa do governador do estado, os advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso dizem que o processo é desconexo, reúne diversas informações que não se fundamentam. (Leia mais abaixo o que dizem as defesas dos investigados).

“De um lado, tentam, em vão, criar um vínculo espúrio entre o governador e contratações lícitas realizadas pelo Estado. De outro lado, esmeram-se em levantar suspeitas sobre as finanças do governador. Apenas suspeitas são lançadas, nenhuma imputação de crime é realizada. São apenas ilações desconexas que, com o devido respeito, não poderiam justificar à realização de medidas invasivas como a busca e apreensão e o bloqueio de bens”, destaca ainda.

 

Movimentações chegam a quase R$ 1 bilhão

 

Somadas, as transações listadas alcançam o montante de mais de R$ 828 milhões datadas entre 2 de maio de 2015 e 30 de abril de 2020. Outro fato pontuado pela PF são os valores depositados na conta da primeira-dama do estado, Ana Paula Correia da Silva Cameli.

"Consideramos a movimentação acima da capacidade financeira presumida da cliente, bem como, aparentemente, sem relação com a atividade declarada, inexiste indicação de parte da origem dos recursos, realização de depósitos em espécie e realização de operações que, por sua habitualidade, valor e forma, configurem artifício para burla da identificação da origem, do destino, dos responsáveis ou dos beneficiários finais", destaca o inquérito.

O inquérito vasculha ainda as contas em nome do governador que apontam movimentação de valores superiores ao declarado por ele oficialmente.

 

Supostos desvios

  • Saúde

Em junho de 2020, a Polícia Federal deflagrou a operação "Doses de Valores" para combater uma associação criminosa mantida para a prática de corrupção de agentes públicos. Foram cumpridos 47 mandados de busca e apreensão em seis cidades do Acre; em Porto Velho e João Pessoas (Paraíba)

O relatório da PF indica uma suposta participação do governador Gladson Cameli nos crimes investigados, em especial, por meio de recebimento de vantagem indevida "no contexto de desvio de verbas públicas do Sistema Único de Saúde, em conluio com outros agentes públicos e empresários na prática de superfaturamento de contratações públicas e atesto falso de recebimento de materiais de consumo referentes ao sistema público de saúde."

Rudilei Estrela começa a se destacar na investigação policial denominada Operação Assepsia, que apurou fraude na contratação de máscaras e álcool em gel pela Saúde de Rio Branco causou um prejuízo de mais de R$ 1,2 milhão aos cofres públicos.

"A Polícia Federal apurou indícios de crimes de corrupção em repasses a empresas de 'fachada' ligadas ao governador Gladson Cameli, por intermédio do cruzamento de dados bancários obtidos pelo órgão policial federal do Acre na 'Operação Assepsia' que teve como principal alvo Rudilei Soares, apontado como provável operador financeiro do governador."

A investigação apontou que Rudilei teria recebido valores em espécie por conta de sua “participação” no esquema, além de ter indicado contas bancárias de outras pessoas, inclusive familiares, para escoamento de parte dos lucros obtidos.

  • Contratos de obras públicas e serviços de engenharia

O relatório que aponta suspeita de que empresas de construção contratadas pelo poder público pagariam vantagens indevidas a representantes do governo do Acre por meio da utilização da conta bancária de uma empresa laranja contou com o apoio da Controladoria-Geral da União. Em nota técnica, a CGU analisou possíveis irregularidades em licitações e contratações públicas.

Uma das empresas teria recebido recurso por parte do governo do Acre que deveria ter sido destinado a projetos de proteção e conservação da floresta, mas foram direcionados para serviços de engenharia ligados à manutenção predial preventiva e corretiva de bens imóveis.

"Diante desse cenário, é plausível a possível hipótese criminal no sentido de que, por meio de complexa engrenagem delitiva, supostas vantagens indevidas de construtoras contratadas pelo poder público perpassavam por contas de empresas de fachada até aportar finalmente em benefício do governador do Acre, inclusive por meio da empresa de seu irmão [Gledson Cameli]", diz o relatório.

  • Compra de veículos

Em um extenso trecho da investigação, a PF detalha negociação de compras de veículos, envolvendo concessionárias e a movimentação de altos valores em espécie. Mais uma vez Rudilei aparece como principal operador financeiro do governador.

Interferência nas investigações

 

A PF também aponta que, após vazamento nas redes sociais de novas operações, o governador decretou ponto facultativo no dia 5 de junho de 2020 propositalmente para impedir cumprimentos de mandados de busca e apreensão em secretarias do estado. Na época, o governador disse que a medida fazia parte de ações feitas durante a pandemia de Covid-19 e que contribuiria para o isolamento social.

“Soa como incongruente o posicionamento do governador Gladson, sendo possível cogitar que ele sabia da ação policial e decretou o ponto facultativo para dificultar o cumprimento dos mandados de busca e apreensão, com propósito de proteger a si e seus subordinados e comparsas", pontua a PF.

 
Evolução do patrimônio de Gladson Cameli
Valores declarados em cinza e em vermelho valores identificados
Valores em reais106.360106.360581.444,59581.444,59514.392,07514.392,072.921.383,792.921.383,795.884.6005.884.6002006201020142018202101M2M3M4M5M6M7M
2021
5.884.600
Fonte: PF

Patrimônio dobrou em 4 anos

 

O relatório mostra ainda que o patrimônio de Gladson Cameli dobrou no período de quatro anos, desde que assumiu o governo do Acre, saindo de um montante R$ 2.921.383,79 para mais de R$ 5,8 milhões. O gráfico acima mostra os valores a cada quatro anos.

"Foram identificadas várias operações suspeitas e atípicas que envolvem o governador do Estado do Acre, por meio de aquisição de bens móveis e imóveis de vultosos valores, inclusive com pagamentos em espécie em complexas transações envolvendo diversas pessoas físicas e jurídicas", destaca.

Alvos de operação da PF contra cúpula do governo do Acre — Foto: Reprodução

Alvos de operação da PF contra cúpula do governo do Acre — Foto: Reprodução

 

Envolvidos

 

  • Ana Paula Correia da Silva Cameli: esposa do governador e que seria uma das beneficiárias do esquema. Atualmente, ela está proibida de acessar repartições de órgãos públicos estaduais e de manter contato com demais investigados.
  • Anderson Abreu de Lima: tio do governador e secretário de Estado de Ciência e Tecnologia no Acre. Ele é representante legal de uma das contas bancárias do governador. Atualmente afastado do cargo, também está proibido de acessar repartições públicas estaduais e de manter contato com os demais investigados.
  • Rosângela da Gama Pereira Pequeno: ex-coordenadora de gabinete do governador e também representante legal de uma das contas bancárias de Gladson Cameli. Ela foi presa após aparecer em um vídeo escondendo um celular da PF, sendo exonerada um dia depois. Ela segue presa em Rio Branco.
  • Rafael Batista Vieira: ocupa cargo comissionado no Senado Federal no gabinete da suplente de Gladson Cameli, além de ser um dos procuradores da conta corrente do governador.
  • Sebastião Da Silva Rocha: funcionário de confiança de Gladson Cameli há quase duas décadas e era lotado no escritório regional do Governo do Acre em Brasília. Já efetuou depósitos em espécie na conta pessoal do governador, além de ter utilizado seu irmão (policial militar) para efetuar pagamentos do cartão de crédito do mesmo, segundo as investigações. Atualmente está afastado das funções.
  • Amarildo Martins Camargo: chefe de segurança do governador, seria o responsável pelo transporte de R$ 70 mil em espécie para negociação de veículo. Segundo a PF, há fortes indícios de uso da função pública armada em prol de interesses privados do governador. Atualmente ele está afastado do cargo e proibido de manter contato com o governador.

Além disso, houve a prisão de Rudilei Estrela, por tentar interferir e influenciar testemunhas durante a investigação. Ele foi solto no dia 26 de dezembro, após vencer o prazo de prisão temporária.

 

Mandados cumpridos no Amazonas

 

  • Eladio Messias Cameli, pai do governador;
  • Gledson de Lima Cameli, irmão do governador;
  • Construtora Rio Negro
  • Construtora Etam
  • Marmud Cameli & Cia Ltda

 

Eladio Messias Cameli, pai do governador e sócio da Construtora Etam Ltda, aparece como receptor de altos valores. Segundo a PF, nos oito primeiros meses da gestão de Gladson Cameli, foram depositados ao pai dele mais de meio milhão de reais. O irmão do governador, Gledson Cameli, também aparece como um dos beneficiados de algumas movimentações.

 

O que dizem as defesas

 

Os advogados de defesa do governador, Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso, dizem ainda que todas as movimentações financeiras do governador são conhecidas, já que ele é empresário e também chefe de Estado. Alegam ainda que devem recorrer e pedir revisão do processo.

“Em razão disso, a defesa do Governador Gladson Cameli irá apresentar o recurso cabível e confia que a decisão será objeto de revisão. Apesar de discordar veementemente do que consta na investigação, a defesa vem expressar que confia plenamente no Poder Judiciário e nas instituições republicanas”, pontua.

O g1 entrou em contato com o advogado de defesa da ex-coordenadora de gabinete do governador, Rosângela Pequeno, Marco Antonio Palácio Dantas, mas ele não se posiciona sobre o processo, pois alega "não ser oportuno".

Alessandro Callil, que atua na defesa de Rudilei Estrela, disse que que o processo está em segredo de justiça e entende que o melhor agora é não apresentar a versão dele publicamente. “Informamos que todas as explicações e fatos estão sendo apresentados no processo e nosso cliente está à disposição da polícia judiciária e judiciário para esclarecer qualquer fato”, salienta.

O empresário Eládio Cameli esclarece que não possui contratações com o governo do Acre e afirma que inexiste movimentação de R$ 420 milhões em sua conta corrente. Ele emitiu a seguinte nota de esclarecimento:

  • Ele e as empresas das quais é sócio não participaram de processos licitatórios ou de contratações diretas com o governo do Acre na atual gestão;
  • Inexiste a movimentação de R$ 420 milhões em sua conta corrente;
  • Todo seu patrimônio é fruto de décadas de trabalho, tendo como comprovar a origem lícita da integralidade do patrimônio;
  • Ele confia da Justiça brasileira e espera que, ao final da investigação, seja verificada sua total isenção com relação a qualquer fato tratado na investigação. Fonte: G1


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