Marileide Silva, advogada que sonhar em ser juíza. Uma menina de 14 anos sai para comprar pão e passa em frente à promotoria de Justiça. Ela não sabia o que era promotoria, mas a palavra Justiça “aqueceu o coração”, como a própria Marileide Silva relata ao relembrar a sua história. Ela decidiu entrar e contar tudo que estava passando, situação que desconfiava não estar correta.
“Eu não sabia quem eram meus pais biológicos, vivia de família em família, sempre tendo de trabalhar como doméstica e sem oportunidade de estudar”, rememorou. A promotora Luciana levou a menina imediatamente para o Fórum, e, diante do juiz Mário Milani, na época titular da Comarca de Presidente Médici, Marileide repetiu as vulnerabilidades que enfrentava, inclusive no próprio corpo.
“Eu era muito magra. Raquítica mesmo. O juiz ficou impressionado com a minha aparência e até me encaminhou para o médico”, disse.
Além disso, o magistrado entrou em contato com a Comarca de Goioerê-PR, de onde a menina se lembrava de ter vindo, com a primeira família a ter sua guarda.
“Como eu tive uma adoção à brasileira, não tinha meus direitos garantidos”, conta.
O juiz conseguiu para ela a segunda via do Registro Civil, um ofício determinando sua matrícula na Escola Emílio Garrastazu Médici, na referida comarca, e até uma nova família para acolhê-la, ligada à Pastoral da Criança.
“Como eu já tinha 14 anos, foi mais um apoio mesmo. Só aceitei ir para uma nova casa porque o juiz garantiu que eu não seria maltratada, e, realmente, não fui. Depois, ainda morei com outra família porque queria trabalhar fora, ter meu próprio sustento. Sempre que tinha alguma dificuldade eu ia contar para o juiz”, destacou a advogada paranaense, hoje com 41 anos.
“A última providência judicial que o Dr. Milani tomou foi a autorização para viagem quando voltei para Goioerê”, pontuou. Marileide queria investigar suas origens, por isso decidiu voltar ao estado onde nasceu.
O desejo de encontrar a mãe biológica foi realizado aos 18 anos, mas o seu grande sonho ainda estava longe. Inspirada nas atitudes do juiz que a ajudou a recuperar a dignidade, ela batalhou para fazer o curso de direito, objetivo que só concluiu em 2019.
“Eu sempre trabalhei em dois empregos, tive de trancar a faculdade 4 vezes, mas consegui me formar. Ainda demorei para ter a OAB. Por conta da pandemia foram dois anos sem ter provas”, explicou.
A cerimônia de entrega das credenciais da Ordem foi transmitida on line.
“Meus amigos em Presidente Médici acompanharam meu juramento”, comemorou.
Este ano, Marileide fará o curso da Escola da Magistratura do Paraná. Feliz com mais essa conquista, ela fez questão de enviar um e-mail ao juiz Mário Milani, agora atuando na comarca de Cacoal, para agradecer ao impacto positivo que teve em sua trajetória de vida.
No documento ela escreve:
“Quero contar que cumpri o que lhe prometi na sua sala, no Fórum de Presidente Médici, há mais de vinte e seis anos, que iria estudar para ser juíza. Acrescenta, ainda, que a sua monografia de fim de curso foi sobre "adoção tardia”, e, claro, dedicou ao magistrado.
"Aplicou, com excelência, os princípios de melhor interesse para a criança e adolescente e o de prioridade absoluta conforme está elencada no Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse momento nasceu o meu amor pelo direito e pela magistratura”, escreveu.
Marileide finaliza o e-mail ao magistrado atualizando sobre sua situação profissional. Trabalha em um escritório de advocacia, atuando na área da infância e juventude. E já que fará a Escola da Magistratura, o desafia a participar de sua posse, quando conseguir passar no concurso.
Reação
O juiz Milani, ao tomar conhecimento do conteúdo do e-mail, relembrou a situação e ficou sensibilizado com a atitude e carinho demonstrados por Marileide, pontuando que o Abrigo Municipal de Presidente Médici permitiu a existência de outras situações parecidas, pois possibilita que adolescentes sem família ou locais para morar pudessem lá residir, estudando e, alguns, até mesmo trabalhando até abrirem seus próprios caminhos.
O magistrado conclui afirmando que o trabalho necessário extrapola em muito a diária solução dos processos, podendo o juiz atuar no esvaziamento de tensões e demandas sociais.
Fonte: Assessoria de Comunicação do TJRO.