Meu compadre, minha comadre, chegue mais perto que lhe conto uma história que se passou faz seis anos, num abril sem sol, aqui mesmo nestas terras de Rondon. Amanhã mal tinha espreguiçado seus ossos quentes quando o barulho trovejou na porta, não era batida de amigo, não, era a voz grossa da lei, ou do que se vestia dela, mandando abrir senão a madeira vinha abaixo. Eram os homens da tal DRACOII, um nome que já soava a ferro e fogo.
Abri a porta, e o que entrou não foi brisa, foi um bando de gente armada, suada, esbaforida, invadindo o pequeno apartamento, que mal cabia nossos sonhos, imagine só aquele mundaréu de autoridade! E no meio daquela balbúrdia, veja você, nem eles sabiam direito a quantas andavam: era só pra revirar tudo ou era pra levar o dono da casa, este que vos fala, sabe-se lá pra onde? A ordem era um novelo emaranhado. Ah, mas a maldade já tinha saído na frente, ligeira como cascavel!
Nas gazetas, nas rádios, o nome do ex-governador Daniel Pereira já corria como preso, bandido de marca maior. Uma fofoca oficial, plantada pelos mesmos que agora pisavam meu tapete com suas botas sujas de prepotência.
Uma injustiça vestida de notícia. A poeira mal assentou e as figuras principais tomaram a cena: um delegado e uma promotora, essa uma mulher alta, de olhar que queria ser de aço, mas que naquela hora só mostrava a fome de cumprir seu papel naquela farsa.
E a pergunta veio, alta, pra todo mundo ouvir, como se gritassem por um tesouro escondido: "Tem dinheiro aqui? Tem arma?". Era a tática de sempre, meu amigo. Se não acham o que dizem procurar, inventam outro crime na hora.
Se a ordem de prisão era capenga, ah, mas achar uma arma velha, um dinheirinho suspeito, isso sim daria um caldo, renderia manchete, justificaria a viagem, o barulho todo! Era o plano B dessa gente, levar um ex-governador na marra, nem que fosse por um pretexto safado, só pelo gosto de mostrar poder. Mas a casa era limpa, a consciência mais ainda. Não tinha arma, não tinha dinheiro escondido que não fosse a conta de chegar ao fim do mês. E a frustração foi crescendo na cara deles, feito massa de pão que não leveda. O gostinho de prender o "criminoso" ficou entalado na garganta.
E foi aí, no meio da sala revirada, que os olhos da promotora, já nublados de contrariedade, encontraram a caixa. Ah, a caixa! Uma beleza de madeira trabalhada, com seus detalhes dourados brilhando, feito promessa de riqueza. Estava ali, sobre a mesa, quieta, misteriosa. A esperança voltou a faiscar nos olhos da autoridade: "Será agora?". O coração dela deve ter batido mais forte, pensando encontrar ali a prova que faltava, o pecado escondido.
A promotora ficou assim, namorando a caixa com os olhos, uma curiosidade que era quase cobiça. Nisso, minha filha mais nova, quase uma menina ainda, mas com um tino que Deus lhe deu, percebeu a agonia da mulher. Olhou pra ela, com a simplicidade de quem oferece um copo d'água, e perguntou: "A senhora quer ver o que tem dentro?". E nem esperou resposta, foi lá e, com um toque num botãozinho dourado, zás!, abriu a caixa. Ah, meu povo, se decepção matasse, a promotora tinha caído dura ali mesmo!
Por que dentro daquela caixa tão vistosa, tão cheia de promessas mundanas, o que repousava era o quê? Uma Bíblia! Uma formosura de livro sagrado, presente de pastores amigos, homens de fé, um deles já encantado, o saudoso Pastor Edésio. O tesouro era outro. Era divino. E a história podia acabar aí, nesse suspiro de alívio e decepção, mas a menina, ah, essa menina tem sangue de guerreira nas veias! Olhando bem nos olhos da promotora, aquela mulherona que representava todo o peso daquela injustiça, ela soltou, com a voz mais tranquila desse mundo, mas cortante como navalha: "A senhora não vai levar a evidência, doutora?".
Imagine a cena! A palavra da menina, feito pedra de Davi, acertando em cheio na testa da gigante. A promotora, coitada, ficou sem ação. Engoliu em seco, a raiva subindo quente, mas o que podia fazer contra aquela petulância desarmada, quase santa? Sorte da pequena que palavra não arranca cabeça, senão...
E pra completar o enredo que só a vida escreve, na tampa da caixa, como um segredo sussurrado por Deus, tinha um versículo de Josué (1:5), que ninguém tinha visto antes: "Ninguém te poderá resistir. Não te deixarei nem te desampararei." Era a voz do Alto respondendo àquela afronta. Depois daquele dia, dizem as más línguas e as boas também, que a roda da fortuna começou a girar diferente. Um delegado falastrão teve a voz exposta aos quatro ventos, reconhecida e desmoralizada. Ele e sua turma foram varridos da operação que tanto amavam.
Uma promotora e injustiça teve a aposentadoria apressada, foi cuidar da vida longe dessas bandas. A justiça, com seus passos de cágado, começou a andar. Coincidência? Obra do acaso? Ou a força daquela Bíblia, daquele versículo esquecido? Ah, meu amigo, só Deus sabe. Mas uma coisa eu digo: naquele dia, a gente viu que, mesmo na maior das opressões, uma luzinha de esperança e atrevimento pode brilhar. E a promessa do Mestre ecoou mais forte: quem tem fome e sede de justiça, um dia, há de ser saciado. E que assim seja, porque neste mundo de meu Deus, lugar de injustiça devia ser bem longe daqui. Obrigado, Senhor, por mostrar, até numa caixa dourada, que Sua força é maior e está aqui!
Texto e fotos: Daniel Pereira - “Filho adotivo e ex-governador de Rondônia.