O fluxo migratório quase incontrolável rumo à Amazônia Brasileira acelerou a instalação do Estado de Rondônia. Quatro décadas depois da chamada Marcha para o Oeste, a ocupação da nova fronteira agrícola brasileira vacinou contra a febre amarela todos aqueles que desembarcavam no Centro de Triagem de Migrantes em Vilhena, a 704 quilômetros de Porto Velho.
O Estado criado pela Lei Complementar nº 41, de 22 de dezembro de 1981, tendo Porto Velho escolhida como Capital, está inteirando 39 anos nesta segunda-feira (4) e já teve 11 governadores antes do atual, coronel Marcos Rocha.
Em 1985, Rondônia alcançava seu primeiro milhão de habitantes e atualmente sua população supera 1,7 milhão. É considerado o Estado que mais cresce no País. Tem taxas superiores à média nacional e sua base econômica se destacando cada vez mais.
Na região Norte, o Estado é o primeiro exportador de carne bovina, o maior produtor de cassiterita (minério de estanho), o segundo maior produtor de soja, o terceiro maior produtor de arroz, o primeiro produtor de leite, o segundo maior produtor de peixe nativo do Brasil.
Segundo Rocha, esse fator de estabilidade tem possibilitado investimentos que contribuem cada vez mais com emprego e renda”.
“Enalteço essa data tão importante para o Estado pujante que não para de crescer e passa a ser olhado com respeito e oportunidades entre os demais estados e, inclusive, outros países”, diz o governador, 12º mandatário estadual.
O governador lembra o apogeu da vinda de milhares de pessoas em busca do sonhado Eldorado. “Vieram todos para as terras de Rondon”, ele comemora.
Rocha se diz orgulhoso de ser um governador escolhido democraticamente. E reafirma ter o apoio do Governo Federal “para seguir construindo um legado de respeito que vai ficar com a população”.
“Com a graça de Deus, continuaremos trabalhando firme; viva o nosso 4 de janeiro, data de instalação do Estado de Rondônia!”, exaltou.
“A condição de território foi uma questão de estratégia de segurança nacional no Governo Vargas, mas a passagem a Estado foi uma longa caminhada”, analisa o jornalista, pesquisador e memorialista Lúcio Albuquerque.
“Em 1962, o então deputado federal Aluízio Ferreira, que encerrava a carreira política, apresentou projeto de lei criando o Estado, mas àquela altura o Governo estava envolvido, dentre outros problemas que o levaram à questão de 1964, com os gastos normais da Lei 4.070 que criou o Estado do Acre”, ele assinala.
“O sonho vinha sendo acalentado desde a criação do Território do Guaporé, pelo presidente Getúlio Vargas em 1943”, lembra o memorialista Anísio Gorayeb. “Em 1956, passou a se chamar Território Federal de Rondônia em homenagem ao marechal Cândido Rondon, cuja expedição estendeu linhas telegráficas até Santo Antônio do Rio Madeira”.
Em janeiro de 1980, um convênio entre os Ministérios do Interior e da Fazenda já possibilitava a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM, depois ICMS) e o Imposto Único sobre Minerais (IUM). No entanto, a efetiva emancipação só aconteceria em 1982*.
“Até aí, éramos apenas um braço da União e diretamente subordinados à Capital do País, sem o direito de eleger governador, prefeito, senador, tendo apenas um deputado federal, enfim, sem democracia”, diz Gorayeb.
Nomeado pelo presidente Ernesto Geisel, o coronel Humberto Guedes sucedeu em maio de 1975 ao coronel João Carlos Marques Henriques (1969-1972).
Rondônia tinha apenas dois municípios: Guajará-Mirim e Porto Velho, ambos sem eleições e com prefeitos nomeados, porque eram considerados áreas de segurança nacional.
“Até o dia 2 de abril de 1979, o coronel Guedes fez avançar o futuro Estado”, relata o economista Sílvio Persivo, que trabalhou na Secretaria de Planejamento naquele Governo.
Para preparar as bases municipais, Guedes trouxe técnicos da Universidade de Brasília (UnB), o arquiteto e urbanista Sylvio Sawaya, da Universidade de São Paulo (USP), e diversas pessoas especializadas, e nisso contou com uma ajuda forte do capitão da Aeronáutica e coordenador regional do Incra, Sílvio Gonçalves de Farias.
Guedes também contratou o geógrafo baiano e graduado em Direito Milton Santos (já falecido) para pensar o Estado.
“Estava acontecendo grande evasão dos pequenos proprietários, e para evitar isso ele projetou o que se chamava de Núcleos Urbanos de Apoio Rural (Nuars), pequenas cidades com estrutura suficiente para que o agricultor não saísse para os grandes centros urbanos”, conta Persivo.
O então secretário de planejamento Luiz Cézar Auvray Guedes (filho do governador) recorreu à experiência do Estado do Pará para elaborar o 1º Plano de Metas de Rondônia, cujo objetivo foi obter um documento que também envolvesse outros segmentos da sociedade.
O Governo contratou economistas, administradores, sociólogos, arquitetos, geógrafos, entre outros profissionais, em sua maioria oriundos das Universidades do Ceará e de Pernambuco.
“Existem ações que ocorrem de dentro para fora, e manter o território administrado de fora para dentro reduz o potencial da região”, dizia Guedes. O ex-governador referia-se às ações do Ministério do Interior. Já o ex-vereador e ex-deputado estadual Amizael Silva (PDS), relator da primeira Constituição Estadual, dizia: “Governador de Território é como um funcionário de terceiro escalão”.
“Guedes e outro ex-governador, Paulo Nunes Leal, deixaram marcas gigantescas nessa construção”, opina o jornalista Lúcio Albuquerque. Segundo ele, Leal (1959-1961) conseguiu com o então presidente Juscelino Kubitscheck a abertura da rodovia BR-29 (depois 364), ligando Brasília a Porto Velho e a toda Amazônia.
“Nos ligava ao resto do mundo, por assim dizer”, elogia. Com Guedes (1975-1979) foram criados mais cinco municípios; houve a interiorização de técnicos agrícolas, engenheiros agrônomos e outros para fortalecer a produção agrícola.
Desde 1967 atuando nesta parte da Amazônia, a partir de 1976 o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ampliou a distribuição de lotes a pessoas casadas, fixando a população, mesmo sem dispor de assistência de saúde e sob forte ataque do mosquito anofelino, transmissor da malária.
“Teixeira seguiu a trilha deixada por Guedes, e um dos pontos altos do novo governador, que assumiu em 1979, foi fazer o morador do território acreditar que o Estado era possível”, assinala o jornalista. O ex-governador e ex-prefeito de Manaus foi escolhido pelo ex-presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo.
“Coube a Guedes criar a estrutura necessária, do ponto de vista administrativo para fazer a base maior, deixando para seu sucessor um caminho mais aplainado para o projeto do Estado”, explica.
JERÔNIMO SANTANA DISCORDA O ex-deputado federal, prefeito e depois governador, Jerônimo Santana (MDB) queixava-se de que seu projeto de lei (de 1978) fora modificado pela assessoria do então ministro do Interior, Maurício Rangel Reis. “Eles copiaram!”, insistia.
Goiano de Jataí, Santana insistiu três vezes, por lei complementar para criar o Estado. Na votação, exercia a liderança da bancada do MDB na Câmara, absteve-se de votar, e deixou o Plenário.
Avesso à tecnocracia quando parlamentar, ele teve de se valer dela para estruturar o seu Governo, na sequência do “mandato tampão” do professor e ex-deputado estadual Ângelo Angelim (MDB).
TEIXEIRÃO INTRANSIGENTE Gaúcho nascido em General Câmara,
Teixeirão discordava de possíveis alterações no projeto de criação do Estado. Ele não tirava uma vírgula do que propunham os então ministros Mário David Andreazza (Interior) e Leitão de Abreu (Casa Civil).
Considerado uma espécie de “padrinho” de Teixeirão, Andreazza visitou Rondônia algumas vezes, participando de festivas entregas de títulos de terras ao longo da BR-364.
Conheça a transição entre o antigo território federal e o Estado Mesmo com a aprovação da lei que criou o Estado, assinada pelo presidente Figueiredo, publicada no Diário Oficial, e a exoneração do governador do território que deixara de existir, Teixeira continuou, até 6 de agosto de 1983, data em que foi promulgada a Constituição.
Foram então criados por decretos o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas, lembra o jornalista Lúcio Albuquerque.
“A instalação do Estado, em 4 de janeiro de 1982, foi marcada por alguns fatos interessantes, como o notório mau humor do ministro da Justiça Abi-Ackel, representante do presidente João Figueiredo, e o seu próprio discurso em tom de advertência: “A certidão de batismo do Estado não é a lei que criou, mas a sua primeira Constituição”, diz Albuquerque.
“Desde a criação do Estado, 22 de dezembro de 1981, até a posse de Teixeira, em 29 daquele mês, houve um interregno de uma semana, ou seja: não tivemos efetivamente um governador, porque, naturalmente, com a extinção do território, Teixeira também estava sem função”, comenta Gorayeb.
A controvérsia seria o Art. 26 da Lei Complementar nº 41/81: “Até a nomeação do governador, a Administração do Território Federal de Rondônia será integralmente mantida, na sua estrutura, competência e vinculação ministerial, cabendo-lhe gerir, a partir da vigência desta Lei, o patrimônio do Estado”.
Para Gorayeb, “não havia mais uma
administração do Território de Rondônia, porque o ente criado pelo presidente Getúlio Vargas em 1943 deixara de existir. “Mas, no meio daquela festa toda, quem estava preocupado com isso?”, ele ponderou.
Não foi caso único na história de Rondônia, lembram os memorialistas, alinhando: 1) na época de Território Federal do Guaporé, um governador mandou prender médicos e engenheiros, porque estariam tramando a criação de um “estado socialista”; 2) houve casos de coronéis nomeados governadores, que tinham como subalternos generais.
GOVERNADORES DO ESTADO, DE 1982 A 2021 JORGE TEIXEIRA Último governador nomeado do Território Federal de Rondônia, Jorge Teixeira de Oliveira. Foi também designado por decreto presidencial assinado pelo presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo, para ser o primeiro governador do novo Estado. Permaneceu no cargo de 4 de janeiro de 1982 a 10 de maio de 1985.
JANILENE VASCONCELOS Durante 42 dias, o Estado de Rondônia foi interinamente governado por uma mulher, Janilene Vasconcelos de Melo, primeira e única na história até então. Nesse período aquecido pela campanha por eleições diretas no País, ela deu prioridade a solucionar problemas técnicos. Paraibana, advogada, contadora e administradora de empresas, ela era secretária de planejamento quando assumiu o cargo em três de janeiro de 1984, por decreto assinado pelo João Figueiredo, a pedido do governador, coronel Jorge Teixeira de Oliveira (PDS).
ÂNGELO ANGELIM Segundo governador, o professor Ângelo Angelim (MDB) exerceu o mandato denominado “tampão”, de 10 de maio de 1985, quando Teixeirão deixou o cargo, até 15 de março de 1987.
Tampão, porque administrou o Estado no período entre a saída do último governador (ainda nomeado pelo presidente da República) e a eleição de Jerônimo Santana em 1986. Dedicou-se em seguida ao ramo cerealista. A indicação resultou de um consenso entre o PMDB e a Frente Liberal: “O nome de Angelim obteve aprovação do Senado Federal, embora tenha encontrado resistência de parlamentares (Amir Lando e Amizael Silva) que pretendiam o cargo, e de adversários políticos, entre eles o senador Odacir Soares (PDS)”, lembra o jornalista Lúcio Albuquerque.
JERÔNIMO SANTANA O terceiro governador foi Jerônimo Santana (MDB), eleito em 1986, depois de ter sido prefeito de Porto Velho. Exerceu o mandato a partir de 15 de março de 1987, até 15 de março de 1991. Na Câmara dos Deputados, ele foi autor de projetos elevando Rondônia a Estado, porém, todos foram rejeitados. Depois do mandato de governador, quis voltar a Câmara, mas não conseguiu eleger-se.
OSWALDO PIANA FILHO O médico Oswaldo Piana (PTR), primeiro legítimo “filho da terra”, governou Rondônia de 15 de março de 1991 a 1º de janeiro de 1995. Não disputou mais eleições.
VALDIR RAUPP Ex-diretor do Departamento de Estradas de Rodagem de Rondônia, o catarinense Valdir Raupp (MDB) governou de 1º de janeiro de 1995 a 1º de janeiro de 1999. Incentivou o projeto de saída para os portos do Oceano Pacífico. Foi depois senador da República por dois mandatos.
JOSÉ BIANCO O paranaense José de Abreu Bianco (PFL), exerceu o mandato de 1º de março de 1999 a 1º de janeiro de 2003. Fez reforma tributária e readequou o funcionalismo. Foi também senador. Depois do mandato, tentou uma vaga na Câmara Federal e não se elegeu.
JOÃO CAHULA Em 2006, João Cahulla foi eleito vice-governador, e em 31 de março de 2010, com a renúncia de Ivo Cassol, assumiu a vaga de governador.
CONFÚCIO MOURA O goiano Confúcio Moura governou de 1º de janeiro de 2011 a 5 de abril de 2018. Hoje é senador da República. Criou projetos educacionais, de floresta plantada, e incentivou a piscicultura, ao mesmo tempo em que fortaleceu a Secretaria da Agricultura e o bloco de governadores da Amazônia.
DANIEL PEREIRA – O paranaense Daniel Pereira (PSB) teve oito meses de mandato, de 6 de abril de 2018 a 31 de dezembro de 2018. Deu início ao planejamento da regularização fundiária. Ele é o atual coordenador regional do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
MARCOS ROCHA Coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar, o atual governador, Marcos Rocha, foi eleito pelo PSL em 2018, assumindo o cargo em 1º de janeiro de 2019. Na segunda quinzena de dezembro de 2020, ele recebeu o título honorífico de Cidadão do Estado de Rondônia, concedido pela Assembleia Legislativa, em reconhecimento aos serviços públicos e trabalho já executados. Ele já foi diretor do Colégio Tiradentes, secretário municipal de educação de Porto Velho, secretário Estadual de Justiça, além de ter sólida carreira na PM.
Mesmo em ano de pandemia mundial do novo coronavírus, em 2020 ele empenhou-se pelo crescimento de Rondônia.
A política de regularização fundiária entrou na pauta de suas prioridades. Entre outras realizações, Rocha determinou à Superintendência Estadual de Patrimônio e Regularização Fundiária (Sepat) o tombamento e entrega de mais de 1.900 títulos em todo o Estado.
Anteriormente à pandemia, a Sepat recebeu um recursos de R$11,8 milhões, do Ministério da Agricultura, para aplicar diretamente no setor. Em 27 de novembro, a Assembleia Legislativa aprovou a Lei nº 4.892, que regulamentou a política de terras públicas rurais e urbanas.
SAIBA MAIS ►
Em 15 de novembro de 1982 o eleitorado brasileiro foi chamado a eleger os governadores que administrariam seus estados pelo interregno temporal de quatro anos, a contar de 15 de março de 1983, num pleito que envolveu 58,6 milhões eleitores.
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Acontecia, então, a primeira eleição direta para governador de Estado desde os anos 1960, valendo o “voto vinculado”. O eleitor teria que escolher candidatos de um mesmo partido para todos os cargos em disputa, sob pena de anular seu voto.
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Os resultados auferidos pelo governo (PDS) foram similares aos quatro partidos de oposição (PMDB, PDT, PTB, PT) e tal equilíbrio influiu na composição do Colégio Eleitoral em 1985.
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O pleito foi regido pela Lei nº 6.978 de 19 de janeiro de 1982 e pela Lei nº 7.015 de 7 de julho de 1982, dentre outras. Nele, Rondônia elegeu senadores, deputados e federais, deputados estaduais, mas o coronel Jorge Teixeira foi mantido no cargo. (SECOM).