Esta reportagem conta a história de um personagem. Um personagem que chegou de mansinho, tentando ocupar o seu espaço, mas que ninguém acreditava nele. Até que um dia tudo mudou. Aquele que era desprezado e desacreditado, agora está nas paradas de sucesso. É desejado. Procurado no mundo inteiro. Enfim, tornou-se uma estrela.
O personagem em questão é o milho. E esta reportagem tenta reconstruir como este cereal, que antes era desprezado pelo mercado agrícola inicialmente desacreditado pelos produtores, agora é o queridinho dos agricultores e cortejado pelo mercado.
Pela primeira vez na história, a rentabilidade do milho pareou com a da soja.
A história do milho na região de Cerejeiras tem um começo humilde. Não há informações exatas sobre quando ele chegou à região como cultivo, mas, pelo menos nesta etapa de profissionalização da agricultura, deve ter chegado por volta de 2004. Antes disso, evidentemente, os primeiros colonos, aqueles que ganharam um pedaço de terra do governo federal e veio para cá com a cara e a coragem, também plantaram o cereal nas derrubadas, ou seja, quando estavam abrindo as áreas que seriam utilizadas na agricultura e nas pecuárias de corte e de leite.
Nesta reportagem, porém, o foco está nesta segunda fase do milho, que é cultivado no modelo “safrinha”, ou seja, plantado após o cultivo da soja.
Quando surgiu na região de Cerejeiras como opção de uma segunda cultura, o cereal chegou pelas portas dos fundos. “O milho era apenas uma cultura para cobertura de solo. Não tinha mercado, não tinha produtividade, não investíamos nele”, disse o produtor rural Jair Roberto Gollo, presidente do Sindicato Rural de Cerejeiras e que começou a plantar o grão no município de Colorado do Oeste nos idos dos anos de 2005 – e hoje é um dos agricultores que cultivam o milho, possuindo, inclusive, um secador próprio e uma fábrica de ração, esta produzida a partir do cereal.
O produtor Marcelo Vendrusculo, de Cerejeiras, é uma referência no cultivo do milho na região. Atualmente, na propriedade que possui com o pai e o irmão, o produtor adiciona tecnologia, implementos e manejo na cultura do grão. Mas não começou assim, lá no início, por volta de 2004. “A primeira vez que plantei milho aqui eu soltei o gado na lavoura antes de colher”, conta.
Mas como o cereal se tornou uma estrela?
O produtor Marcelo Vendrusculo explica. “Nas primeiras vezes que plantamos o milho, percebemos que, sem nenhum investimento, ele produzia 40 sacas por hectare. Aí começamos a perceber que ele tinha potencial”, diz o agricultor, que em 2020 produziu 148 sacas por hectare do grão.
Uma série de produtores rurais, agrônomos, vendedores de sementes agrícolas ouvidos pelo autor desta coluna confirmam a mesma história: não se acreditava que o milho poderia ser produzido em Cerejeiras. Diziam que somente em Vilhena, que tem 670 metros de altitude, é que produzia. Já no município cerejeirense, com uma média de 277 metros de altitude, o milho não iria para frente, segundo acreditavam na época.
Foram os produtores, sem dúvida alguma, que acabaram com este mito. Todos os anos, eles passaram a plantar o milho e a produzir ainda mais. Novas tecnologias, novos modelos de manejo, modernas máquinas foram sendo implantadas. O cultivo anterior, da soja, foi sendo cada vez mais planejado tendo em vista a cultura que viria em seguida, a do milho.
Por volta de 2009, uma mudança no jogo do mercado agrícola começou a dar ainda mais corpo a esta revolução do milho na região de Cerejeiras. É que, a partir daquele ano, as exportações de produtos do agronegócio começaram a crescer e foi só aumentando nos anos seguintes. Em 2009, o Brasil exportou 7 milhões de toneladas do cereal. Já em 2020, saltou para 34 milhões.
O preço também seguiu montanha acima – com um pico muito grande entre 2020 e 2021, anos de pandemia. Em 24 meses, a saca do milho saiu da casa dos R$ 30,00 para os atuais R$ 80,00.
E não é só isso: o milho tem mercado. Ao contrário de outras culturas, como o girassol (que só tem um comprador em Rondônia) e o algodão (que só os megaprodutores conseguem comercializar), o milho pode ser vendido a qualquer esquina. A demanda pelo grão é altíssima. “Se eu não conseguir vender o milho aqui no mercado interno, eu mando para exportação”, diz o produtor Marcelo Vendrusculo.
Para obter este resultado expressivo com o milho, os produtores têm investido em várias frentes. Dentre os investimentos estão: melhoria do solo, sementes mais modernas com genética com maior potencial produtivo e com plantas mais propícias para a região, plantas geneticamente modificadas que são mais resistentes às pragas e doenças, equipamentos agrícolas de última geração. O agricultor Marcelo Vendrusculo, por exemplo, adquiriu uma colheitadeira moderna. Com maquinários mais potentes e com sementes de qualidade, o produtor tem mais controle sobre a janela de cultivo do milho, o que reduz os riscos e eleva a produtividade do cereal.
Além disso, os modelos de manejo são cruciais para alçar o milho ao pódio que ocupa hoje. Um exemplo é o controle de plantas daninhas. O Centro de Pesquisa Agropecuária (CPA) realiza várias pesquisas em parceria com o Grupo de Pesquisas em Plantas Daninhas do Cerrado (GEPDC) sobre modelos de controle e manejo das plantas daninhas em diversas culturas, dentre elas o milho. A estação experimental do CPA fica no município de Cerejeiras, na Linha 4, o que proporciona uma pesquisa adaptada à realidade regional.
Por fim, o ingresso no cooperativismo tem ajudado os produtores rurais a potencializar o resultado com o cultivo do grão. A Copama, por exemplo, construiu para seus cooperados um secador com capacidade para processar, secar e armazenar 750.000 sacas do cereal por safra e oferece assistência técnica gratuita aos cooperados através do programa Copama+10. Além disso, a cooperativa oferece ao produtor associado uma gama de insumos para o cultivo do milho, como adubo, defensivos e sementes, sem contar com o benefício financeiro do cooperativismo, que são as sobras, distribuídas aos cooperados todos os anos. Como suporte, o cooperativismo financeiro, como a Sicoob Credisul, também tem dado um suporte de crédito para os produtores, possibilitando que eles se profissionalizem ano após ano também no que diz respeito à saúde financeira do negócio rural.
A demanda internacional e o aumento de produtividade fizeram o milho ser, atualmente, muito rentável. Neste ano, em cálculos absolutos, alguns produtores tiveram quase a mesma rentabilidade com o cereal do que com a soja, até agora a estrela da agricultura na região. Por prudência, no entanto, cabe ressaltar que este resultado equiparado ante a oleaginosa não foi alcançado por todos os produtores, pois alguns agricultores tiveram perdas por conta do clima atípico deste ano. É prudente dizer também que, possivelmente, a soja continuará sendo a cultura-mor em termos de produtividade, preço e rentabilidade na região. Mas com certeza o milho é uma complementaridade para a próspera atividade agrícola.
Cabe ressaltar também que estamos falando de um ano totalmente fora da curva. Há um jargão no mercado agrícola que diz o seguinte: “Em 2021, o milho tá a preço de soja, a soja tá a preço de boi e o boi tá a preço de ouro”. Esta frase, embora uma brincadeira, mostra a excepcionalidade nos tempos em que estamos vivendo e, por isso, toda análise feita neste período deve ser recebida com espírito crítico.
“É o milho que dá rentabilidade ao meu negócio”, disse o produtor Marcelo Vendrusculo. Segundo ele explica, os agricultores da Bahia, por exemplo, que plantam a soja e não plantam o safrinha (por falta de chuva no sertão), investem todo o seu poder de fogo na oleaginosa. “Por isso que lá a soja produz mais por hectare que aqui, pois lá o produtor cultiva só ela e foca nela. Mas aqui nós plantamos a soja e dividimos o investimento com o milho, pois ele também é muito rentável”, diz o agricultor cerejeirense.
Sobre o futuro do milho, nenhum produtor ouvido por este autor se arrisca a prever. Mas tudo até agora indica que o milho continuará tendo uma forte demanda mundial. O cereal é matéria-prima para uma infinidade de alimentos humanos e, principalmente, é um dos principais componentes da ração para suínos, bovinos e aves. E, de forma geral, a demanda por alimento só tende a aumentar no mundo. Segundo análise da Embrapa, o Brasil terá que produzir 500 milhões de toneladas de grão para contribuir com a alimentação mundial até 2050. Atualmente, o país produz quase 300 milhões, contanto soja, milho, arroz, feijão. Recentemente, o renomado professor e pesquisador Marcos Fava Neves, da USP, uma referência no agronegócio nacional, fez um apelo aos produtores brasileiros: “Pelo amor de Deus, plante milho. Se você não plantar, o mundo vai ter fome”. O milho também é matéria-prima do etanol, que deverá ter demanda mundial crescente por conta da pressão ecológica e da escassez cada vez maior dos combustíveis fósseis.
Para este ano, a produção mundial do milho ficará em torno de 1,116 bilhão de toneladas. No entanto, a demanda pelo grão é de 1,113 bilhão de toneladas. Isso significa que o mundo fica praticamente sem estoque, despreparado para qualquer aumento de demanda.
Como resultado deste sucesso do grão, os eventos destinados ao milho têm ombreado com os dedicados à soja na região de Cerejeiras. Só neste mês de junho, por exemplo, dois “dias de campo”, como são chamados os encontros tecnológicos, serão dedicados ao cereal no município cerejeirense. O da Casa do Adubo realizou, dos dias 9 a 11 o Tecnoshow Milho 2021, e o da Copama, que realizará a Vitrine Tecnológica Copama – safrinha de milho 2021, nos dias 17 e 18. Devido à pandemia, os eventos são realizados com agendamento.
Na região de Cerejeiras, estima-se que haja mais de 140.000 hectares plantados com o cereal, com possível aumento de área nesta safra em pelo menos 10% neste ano. A colheita do grão na safra 2020/2021 na região de Cerejeiras está começando no momento em que esta reportagem foi escrita.
Por fim, o autor desta reportagem deixa um breve relato pessoal. Nasci na área rural, num lugar chamado Córrego do Empoçado, no vilarejo de Campo Alegre de Minas, no município de Resplendor, Minas Gerais. Eram tempos difíceis. Tínhamos poucos recursos. Meus pais moravam na propriedade do meu avô paterno. Às vezes, comíamos canjiquinha de milho com linguiça suína no almoço. Era saboroso, mas o alimento feito do milho era um substituto mais barato para o arroz, que era mais difícil de cultivar e mais caro.
Hoje, cerca de 40 anos depois, não preciso mais recorrer à canjiquinha de milho por falta de recursos para comprar arroz. Não sou rico, mas não estou numa situação tão difícil a ponto de procurar alternativas mais baratas de alimentação – pela graça de Deus. Mas com frequência compro a canjiquinha de milho no mercado e uma linguiça de porco na feira para comer, agora pelo puro prazer.
Assim tem sido a trajetória do milho, tanto na minha vida quanto na história dos produtores rurais. Ele chega à vida da gente nos momentos difíceis – e permanece nos momentos bons.