Granja do Betão, que é uma referência na atividade em Cerejeiras. Ele disse que vai parar. (Foto: Rildo Costa) Imagina que você tenha um negócio que faz o produto mais consumido do mundo daquele segmento. Imagine também que o consumo deste produto aumentou nos últimos dois anos. Imagine ainda que o preço deste produto também subiu por conta da elevação da demanda. Agora imagine o inimaginável: apesar de todas essas variáveis positivas, o seu negócio não é rentável.
Esta é a situação atual dos suinocultores na região de Cerejeiras.
A história da suinocultura no município tem uma trajetória de altos e baixos.
Os primeiros colonos criavam porcos em suas propriedades, mas para consumo próprio.
Por volta da década de 2000, surgiram os primeiros suinocultores que faziam da atividade seu modo de vida. Ou seja, produziam para vender.
Em 2006, os criadores de suínos que moravam em torno da área urbana, nas chácaras, tiveram problemas por conta das exigências da legislação sanitária. Após uma ação do Ministério Público, a Prefeitura de Cerejeiras cedeu um terreno na antiga RO-399 (atual BR-435), a cerca de 10 quilômetros da área urbana, para que os suinocultores se instalassem.
No ano seguinte, em 2007, doze famílias de suinocultores se instalaram na “vila”, como é chamado o local que foi destinado a elas. Cada família ganhou uma área equivalente a 75 por 100 metros.
Em 2016, um grupo de suinocultores de Colorado do Oeste tentou implantar um frigorífico no município. A implantação do abatedouro chegou a ser publicada no Diário Oficial de Rondônia, numa iniciativa chamada Parceria Público-Privada Comunitária (PPPC), em que o governo estadual ia custear metade e os suinocultores, a outra metade. No entanto, o governo do estado não deu continuidade ao projeto na época. Na ocasião, Colorado tinha o maior rebanho suíno do estado. Se esta iniciativa desse certo, os suinocultores de Cerejeiras também seriam beneficiados.
No ano seguinte, em 2017, um grupo de lideranças políticas e empresariais de Cerejeiras tentou modernizar a suinocultura no município. No dia 9 de agosto daquele ano, houve uma reunião do grupo em Vilhena com o então (e atual) secretário da Agricultura de Rondônia, Evandro Padovani, e com o superintendente do SEBRAE à época, Valdemar Camata. Na ocasião, a ideia era trabalhar em duas frentes: tecnificar a atividade e montar um frigorífico suíno no município.
Hoje, quase cinco anos depois, a situação dos suinocultores em Cerejeiras não melhorou. Pelo contrário, piorou. A tecnificação não veio, o frigorífico não saiu do papel e muitos estão sinalizando que vão deixar a atividade. As razões apontadas pelos suinocultores são o aumento dos custos e a dificuldade de comercialização.
Ao que parece, os produtores de suínos estão realmente deixando a atividade. Em 2017, por exemplo, havia 11 granjas suínas em Cerejeiras. Hoje são contabilizadas quatro ou cinco.
Atualmente, foram declarados 6.677 animais no município, segundo dados da Idaron. O número, no entanto, pode ser quase o dobro que o oficial, passando dos 10 mil suínos, segundo servidores do órgão.
O autor desta reportagem visitou três granjas suínas em Cerejeiras. Dos três suinocultores, só um aceitou ser mencionado. Mas todos eles contribuíram com informações. Os três disseram que estão diminuindo a atividade. Um deles já vendeu 20% dos animais. Outro disse que já acabou com 10% dos suínos.
Os custos de produção estão entre o principal fator para a desistência da atividade, segundo afirmaram. A ração do suíno tem três componentes principais: milho, farelo de soja e núcleo. Os dois primeiros insumos tiveram seu preço aumentar estrondosamente nos últimos anos. A saca de milho saiu de 25 reais há dois anos para os atuais 80 reais. Já o farelo de soja saiu de 1.200 reais a tonelada para 2.500. O preço da carne suína, segundo afirmam os produtores, não acompanham os custos dos insumos. A carne era vendida a 4 reais há dois anos, mas hoje está a 8 reais.
Soma-se a isso a carne suína mato-grossense, que é vendia em Rondônia a preço competitivo. Com o preço que os mato-grossenses vendem os suínos, segundo os suinocultores cerejeirenses, não se paga o custo de produção.
Até 90% da carne suína consumida em Rondônia vêm de outros estados, sobretudo do Mato Grosso, segundo agentes do setor. O outro estado vizinho, o Acre, também tem um frigorífico de porcos que chega a exportar os produtos.
Essa situação fez a suinocultura rondoniense pisar no freio. Em 2016, havia 210.000 suínos em Rondônia. Hoje, são apenas 150.000 porcos no estado, segundo informações da imprensa da capital.
Em Rondônia, dois existem dois frigoríficos suínos, um em Ji-Paraná e outro em Porto Velho, segundo informações dos suinocultores. Mas há os dois não estão em funcionamento, segundo se sabe. Havia outros abatedouros no estado, mas não há relatos se estão em atividade. Seja como for, o frigorífico de Ji-Paraná, por exemplo, tinha parte dos suínos abatidos na indústria vindo do Mato Grosso, quando estava em operação.
O suinocultor Calos Alberto Sobieray, o Betão, é uma referência no setor em Cerejeiras. Envolvido com a suinocultura desde 1990, ele foi o único que aceitou falar para esta reportagem. E desabafou. Deixou muito claro seu descontentamento com os políticos, tanto os do município quanto o do estado, e com o sistema judiciário. Betão fez uma denúncia ao Ministério Público no ano passado, relatando que havia criadores irregulares de porcos no entorno das chácaras em Cerejeiras. Segundo ele, esses criadores clandestinos usam alimentação irregular (e mais barata) nos suínos, como soro e lavagem. Betão disse ainda que há uma média de 1.500 a 2.000 suínos no entorno urbano nessa situação de irregularidade. Após solicitações do promotor, foram realizadas algumas autuações pela Secretaria Municipal de Agricultura e o Sedam. O resultado da ação, porém, não agradou ao suinocultor, que diz que o que foi feito é insuficiente.
Betão, que ainda cria cerca de 200 porcos em sua granja, disse claramente que vai parar. Morando na vila dos suinocultores, onde hoje só existem quatro famílias que ainda criam porcos, ele disse que vai até se mudar de Cerejeiras.
“Fiz muito investimento aqui. Mas agora não aguento mais. Os políticos não ajudam os suinocultores. Não há incentivo nenhum. Não temos ninguém para nos ajudar”, disse Betão, em tom de revolta.
Já outro suinocultor, também do município, ouvido pela reportagem, relata que as atividades irregulares, que sempre existiram, não é o maior gargalo da suinocultura.
“Nosso problema é muito mais amplo que isso, é o mercado como um todo”, disse.
Tanto a questão política quanto a problemática do mercado explicam a situação dos suinocultores não só do município de Cerejeiras, mas no estado, segundo o extencionista pioneiro da Emater na região, o zootecnista Enio Milani, de Colorado do Oeste. “O maior problema da suinocultura em Rondônia é a desorganização da cadeia produtiva. Não há políticas públicas para o setor. E a suinocultura é uma atividade que começa a ser exercitada por produtores descapitalizados, por isso, ela precisa de uma ação do governo no início. E esse apoio inicial nunca existiu”, disse o zootecnista.
Ainda de acordo com Enio Milani, a saída é para a suinocultura é uma só: “Organizar a cadeia produtiva”. E explica:
“São necessárias quatro variáveis para que a suinocultura dê certo: gente para saiba lidar com os suínos, matéria-prima para a ração, mercado consumidor e um clima propício. Temos todas essas variáveis”.
Segundo dados do portal UOL, a carne suína é a mais consumida no mundo (no Brasil, é a terceira mais consumida, fiando atrás da bovina e do frango). Em 2019, a China teve um problema sanitário que dizimou 30% do rebanho suíno do país asiático. E isso fez a demanda chinesa pela carne suína subir 36,1% em um ano, segundo Associação Brasileira de Proteína Animal (ABTA). O preço também subiu, em 40,7% em 2020 em relação a 2019, acompanhando a demanda.
Mas, como foi relatado no início desta reportagem, os suinocultores cerejeirenses não conseguiram aproveitar este momento positivo. No mercado interno, o preço elevado da carne bovina fez muitos brasileiros recorrer à carne suína, o que ajudou a elevar a demanda pelo produto, pois em 2021 a diferença do preço da carne suína com a da bovina foi recorde.
Apesar de toda esta realidade positiva de mercado, os suinocultores cerejeirenses agonizam, vivendo os piores dias da história da atividade no município. “A suinocultura sempre tem dois ou três meses ruins por ano. Mas agora a situação é diferente. Não acredito que o custo do milho e do farelo de soja vá baixar”, disse um dos suinocultores ouvidos pelo autor desta reportagem. E complementou:
“Terei que parar. É uma atividade muito ingrata”.
Enquanto isso, o mundo continua, cada vez mais, consumindo carne suína. Os brasileiros também continuam comprando o produto. Mas, atolados em setor desorganizado, os suinocultores cerejeirenses não veem esperança. Falta um governo que implante políticas públicas eficientes para o setor, falta também um estado que faça valer a legislação para regulamentar atividade e para estabelecer a regra do jogo e, por fim, faltam lideranças do setor que se apresentem como maestros para organizar esta atividade tão importante da economia.