28/08/2021 às 16h42min - Atualizada em 28/08/2021 às 16h42min

União e solidariedade marca combate ao maior incêndio agrícola da história de Cerejeiras

Por um lado, o fogo que destrói tudo o que vê pela frente. Por outro lado, solidariedade e união deixam um legado positivo para as futuras gerações

Rildo Costa

Rildo Costa

Jornalista e Publicitário

Gazeta Rondônia
O sitiante Francisco Geovani em seu sítio. O pasto da propriedade dele foi todo consumido pelo fogo. (Foto: Rildo Costa)

O sitiante Francisco Geovane estava em casa às 13 horas de uma tarde quente no dia 17 de agosto, numa terça-feira, quando escutou um grito. Era o vizinho, que mora do lado de sua pequena propriedade, às margens da BR-435, na altura do quilometro 5, na saída para Corumbiara, em Cerejeiras.

“Tá pegando fogo”, foi o grito do vizinho.

O pequeno produtor lançou mão do telefone, ligou para o Corpo de Bombeiros e começou sua batalha para tentar conter as chamas, que começou na grama seca nas margens da rodovia e avançava em direção ao sítio, queimando a palhada de milho recém-colhido na propriedade ao lado.

Quando os bombeiros chegaram, o fogo já estava avançado. Os demais vizinhos também foram chegando, tentando apagar as chamas implacáveis. Os esforços, porém, foram em vão. As chamas chegaram à propriedade e queimou o que encontrou pela frente: capim, toco de cerca e até tostou os pés de mexerica e de coco que estavam no pomar próximo ao pasto.

“Queimou tudo. Ainda bem que conseguir prender o gado”, diz o sitiante, que colocou as seis cabeças de bovinos no curral.

As chamas que começaram nas margens da rodovia e entrou na propriedade do produtor não parou por ali. O incêndio foi se alastrando, dia e noite, a despeito do intenso combate de voluntários, produtores e bombeiros. Dois dias depois, o fogo já estava chegando à outra estrada, do outro lado do quarteirão de propriedades rurais, já na Linha 4, a quatro quilômetros de distância.
 

Antes de este e outros focos de incêndio começar na região de Cerejeiras, as ações de conscientizações também foram tomadas por diversas organizações. A Copama, por exemplo, lançou uma campanha de conscientização nas mídias sociais, no rádio e na internet. Além disso, a cooperativa confeccionou e distribuiu uma cartilha sobre incêndio ainda no mês de julho. A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) também distribuiu panfletos de conscientização contra queimadas.

O fogo que consome as pastagens do gado, a palhada das roças de milho, as florestas das reservas ambientais, já está caminhando para duas semanas de destruição. A força destruidora das chamas consome animais silvestres, lascas e palanques de cerca, reduz a vida útil dos arames de aço e, o pior, ameaça a vida humana de quem combate. O fogo também emite uma fumaça tóxica que paira sobre a região até encontrar um pulmão que a aspire.

Este é o quadro trágico de um dos maiores incêndios (se for considerar somente a categoria incêndio agrícola, é o maior) já registrado no município de Cerejeiras.

Por outro lado, o incêndio histórico está demonstrando que a região conta com solidariedade humana por parte dos voluntários e muita força de vontade por parte dos servidores dos órgãos oficiais. Além disso, a reação às chamas produzirá um legado para as futuras gerações.

Os produtores rurais, por exemplo, estão dando um exemplo de busca pelo bem coletivo. “Quando falei que o fogo tinha chegado aqui na minha propriedade, de repente começou a chegar produtor com niporte com água e trator com grade para fazer acero. Foi um momento em que todos demonstraram muito esforço para socorrer um ao outro nesta circunstância difícil”, disse o pecuarista Jair Ferro, do Sítio GH, na BR-435, na altura do km 7 – e que também é presidente do Sindicato Rural de Cerejeiras.

A luta contra o fogo também está tendo uma contribuição indispensável de uma das instituições com maior credibilidade entre os brasileiros: O Corpo de Bombeiros. Os brigadistas do quartel da corporação no município trabalham dia e noite para conter as chamas – sem deixar de fazer outros atendimentos, que não pararam de serem feitos. Os bombeiros usam os instrumentos que podem, como um caminhão-tanque e ferramentas manuais de combate ao fogo.

Mesmo sendo quem são, conhecendo várias técnicas de combate ao foto, algumas realidades deste incêndio histórico são inéditas para os bombeiros de Cerejeiras. Por exemplo, a classificação do que está ocorrendo no município não é algo fácil de reconhecer, pois é uma mistura de incêndio florestal com queimadas de pastagens e lavouras. Nos registros oficiais, os bombeiros estão chamando a ocorrência de “incêndio agrícola”.
 

A Prefeitura de Cerejeiras, por meio da Secretaria de Obras e da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente, também tem atuado para combater o incêndio. Caminhões-pipa foram utilizados e bombas foram levadas ao rio para abastecer o caminhão dos bombeiros.

Ao contrário do que a população em geral pode pensar, no entanto, o corpo de bombeiros não tem um poder sobrenatural de combater um incêndio desta dimensão. As limitações são muitas. Por exemplo, um dos dois caminhões-tanque do quartel pesa várias toneladas e afunda num terreno fofo de lavoura, por exemplo. Algumas áreas onde o fogo entra são cercados com cerca. Outras vezes as chamas entram mata adentro. Além disso, é preciso considerar que, numa única tarde, podem ocorrer três focos de incêndio em três locais com quilômetros de distância um do outro. E, por fim, combater um incêndio em vegetação seca como este é um risco de vida. O fogo pode “fazer a curva” e cercar quem o está combatendo. A proximidade com as chamas no combate pode provocar queimaduras e a fumaça, que é inevitavelmente aspirada, provoca indisposição e mal estar no corpo humano.

Diante de todos estes desafios, a solidariedade é o lado bonito desta tragédia.

O sitiante citato no início desta reportagem, por exemplo, perdeu todo o pasto para o gado. No dia seguinte, um trator com uma carretinha chegou ao seu sítio e deixou uma carga no terreiro. Era uma porção de silagem, doada pelo vizinho. É o alimento que está salvando o gado da fome absoluta.

Já o outro legado será para as gerações profundas. O incêndio histórico ensinou lições que vão ficar para a história. Por exemplo, com certeza será formada uma brigada de incêndio na região de Cerejeiras. Serão adquiridos equipamentos mais eficazes e mais conhecimentos serão buscados para combater casos semelhantes no futuro.

Para terminar esta reportagem, deixo aqui uma nota escrita pelo Tenente BM Belli, comandante do Corpo de Bombeiros de Cerejeiras, que acaba de suceder o Capitão BM Ozeni, que se aposentou (embora a cerimônia de passagem de comando oficial ainda não foi realizada, devido às circunstâncias atuais). A seguir:
 
"Estamos passando por momentos críticos nos últimos dias, grandes incêndios, altas ondas de calor, falta de chuva e como se não bastasse até nossos mananciais estão secando!

É hora de começamos a cuidar da nossa cidade, agindo com respeito e educação, podemos com pequenas medidas ajudar, seja no simples gesto de economizar água ou mesmo evitar colocar fogo em folhas e lixo em nossos quintais.

À medida que aprendermos a nos colocar no lugar dos outros melhoraremos a nossa qualidade de vida e da cidade onde moramos.

Nós do corpo de bombeiros estamos empenhados nessa missão, essa é a hora de caminharmos juntos rumo a uma cerejeiras cada dia melhor!

Vidas alheias e riqueza salvar."


CORPO DE BOMBEIRO MILITAR – CEREJEIRAS – RO
 
Na tarde desta sexta, o produtor rural (e vereador) Erivelton Navarro informou que o fogo, até que enfim, tinha sido controlado. Segundo a estimativa deles, somente este incêndio consumiu mais de 100 hectares de área produtiva.

Com toda esta tragédia, talvez a maior lição que este incêndio ensinou para todos é essa: é em meio aos maiores problemas coletivos que a humanidade de desenvolve e se prepara para enfrentar outras possíveis batalhas no futuro.

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